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Mortalidade infantil por pré-natal precário é maior entre mães pobres de cidades de alta renda

Combate à desigualdade social e melhoria na qualidade do pré-natal são os caminhos para reduzir a mortalidade infantil no Brasil
12:23 | Mar. 06, 2020
Autor Catalina Leite
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Catalina Leite Repórter do OP+
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Tipo Notícia

Nascer de mães pobres em cidades de alta renda é um fator de risco na determinação da mortalidade infantil brasileira. Foi o que uma pesquisa do Instituto Aggeu Magalhães da Fiocruz e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) concluiu após analisar os diversos fatores socioeconômicos relacionados à mortalidade infantil em todas as capitais do País.

Com dados de 2012, o estudo analisou 7.470 casos de bebês mortos antes de completar um ano em 702 serviços de saúde. Os motivos para o óbito, o perfil das crianças e das mães e a quantidade de consultas de pré-natal foram algumas das informações recolhidas em bases de dados do Sistema Único de Saúde (SUS).

A autora da pesquisa Lívia Teixeira Maia pontua que a mortalidade infantil é um dos mais sensíveis indicadores de saúde sobre as condições de vida. Com o estudo, ela constatou que mães jovens, não-brancas, solteiras e sem ocupação remunerada têm menos de sete consultas de pré-natal durante a gestação.

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As regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas pela mortalidade infantil no Brasil. O perfil das mães representa vulnerabilidade social. Ainda, os dados revelam que a proporção de mães adolescentes é maior para casos de mortalidade quando comparada à mesma faixa etária com casos de sobrevivência.

O recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de no mínimo oito consultas de pré-natal. Já o Ministério da Saúde recomenda o mínimo de sete atendimentos. O pré-natal é crucial para reduzir a mortalidade perinatal e infantil, pois a partir dele identificam-se malformações e complicações na gravidez.

Consonante ao perfil vulnerável das mães, a pesquisa revelou um dado paradoxal: é mais perigoso nascer em cidades de alta renda quando há poucas consultas pré-natal. De acordo com Lívia, o resultado indica altos níveis de exclusão social nas capitais. “Ser pobre em cidades de alta renda, do ponto de vista da mortalidade infantil e da assistência à saúde, é muito pior do que em cidades de baixa renda”, analisa.

O pré-natal em Fortaleza

De acordo com Antônio Lima, gerente da célula de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Fortaleza alcançou 66% da cobertura de mães com sete ou mais consultas pré-natal.

Segundo o médico doutor em saúde coletiva, todas as gestantes do sistema de saúde da Capital têm uma programação mensal de atendimento. Em casos de falta, elas são acionadas pela unidade de saúde por telefone ou por um agente de saúde na própria residência.

A situação de vulnerabilidade das mulheres já é evidenciada aí: muitas vezes, as unidades não conseguem contato presencial com elas, por morarem em áreas deflagradas pela violência. Outro indicador de risco é a escolaridade materna, até pouco tempo um dos principais fatores relacionados à mortalidade infantil.

Os dados da mortalidade infantil de 2019 em Fortaleza ainda não foram fechados, mas o gerente da Vigilância Epidemiológica antecipa que a razão deve fechar em 11,5 ou 11,8 mortes por mil nascidos vivos.

“Na verdade, a taxa de mortalidade abaixo de 20 estava nos objetivos do milênio [da ONU]. Mas para chegarmos em um patamar de menos de dez, o grande desafio hoje é qualificar o pré-natal e melhorar nossos determinantes populacionais”, analisa Antônio. Na compreensão do especialista, Fortaleza pode alcançar o patamar nos próximos três anos, desde que “mantendo determinadas políticas públicas regionais e nacionais”.

SUS é essencial para redução do índice de mortalidade infantil

Reduzir a mortalidade infantil é um dos objetivos para o desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), com prazo até 2030. Para isso, a OMS define como aceitável o índice de dez mortes para cada mil nascimentos.

O Brasil tem se aproximado cada vez mais do índice ideal. Em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o País registrou taxa de 12,4 mortes a cada mil nascidos vivos. Segundo dados da Secretaria da Saúde Estado do Ceará (Sesa), a razão parcial da mortalidade infantil no Estado foi de 12,2 para mil em 2019. Em 2018, a razão era de 12,1.

De acordo com a pesquisadora Lívia, o Brasil sabe o caminho para reduzir a mortalidade infantil. “Na década de 70, antes do Sistema Único de Saúde (SUS), a mortalidade infantil chegava em 100 a cada mil nascidos vivos”, contextualiza. Ela explica que, para alcançar a recomendação da OMS, são necessárias políticas públicas para melhorar condições de vida e de saúde pública da população.

“A gente tem que distribuir renda, melhorar as condições de vida”, reforça Lívia. Ela elenca consultas pré-natal e assistência ao parto adequada como os principais fatores de saúde a serem considerados pelo governo. Ainda, a pesquisadora afirma que o SUS foi e é fundamental para a redução da mortalidade infantil. “Em um País como o nosso, que está entre os mais desiguais do mundo, se a gente não tiver um sistema público universalista, essas populações ficariam muito mais excluídas”, reforça.

O luto das mães

Para além das estatísticas, a mortalidade infantil fragiliza mães e familiares com a percepção da efemeridade. Além disso, o luto dessas mulheres é desmerecido pela sociedade, dificultando processos naturais relacionados à perda. “Os lutos neonatais ainda são muito difíceis de serem reconhecidos socialmente. A sociedade diz ‘ah, tem outro filho depois’”, explica a psicóloga hospitalar Socorro Leonácio.

Para garantir suporte às famílias, a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) tem equipe psicossocial composta por 19 assistentes sociais e 12 psicólogos. A assistente social Mara Gomes informa que as orientações perpassam os direitos das mães dentro da Meac, como “colocar o bebê no colo mesmo após o óbito”, e o processo funerário, em relação ao auxílio funeral.

“Acaba que o luto neonatal é mais ignorado, e daí o que a gente tenta proporcionar aqui, em todos os casos, é um momento de despedida, de vivência do ritual mesmo. De ver o seu bebê, tocar o seu bebê…”, conta Socorro. Ações do tipo previnem adoecimentos futuros e possíveis medos de próximas gestações.

Após o óbito, por exemplo, a equipe confecciona um “cartão memória”. Nele, coloca-se a digital do pé do bebê e algumas palavras que representem a curta passagem dele no mundo. “É sempre [um momento] de muita emoção. [Gratidão ao] Curto e intenso tempo desse bebê aqui”, concordam as profissionais.

Com informações da Agência Bori.

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