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Atores de 'golden shower' divulgado por Bolsonaro dizem que ato foi político

Tratou-se de um ato político-artístico "planejado com o intuito de comunicar uma mensagem de artistas" que assim se definem: "Não somos homens, somos bixas"
23:40 | Mar. 07, 2019
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Após silêncio de dois dias, os artistas responsáveis pela performance sexual de "golden shower" durante bloco de Carnaval em São Paulo se pronunciaram através de manifesto. O documento quer combater o discurso de depravação carnavalesca defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Foi o político quem deu visibilidade à performance quando divulgou o vídeo em sua conta no Twitter, nessa Quarta-Feira de Cinzas, 6. Leia o manifesto na íntegra, ao fim da matéria.

Tratou-se de um ato político-artístico "planejado com o intuito de comunicar uma mensagem de artistas" que assim se definem: "Não somos homens, somos bixas". É o que diz o manifesto da dupla por trás do número realizado no BloCU, descrito na programação carnavalesca como "um bloco com muito brilho feito para escandalizar e carnavalizar geral".

Eles anteciparam ao jornal Folha de S. Paulo o texto, que milita "contra o conservadorismo e contra a colonização dos nossos corpos e nossas práticas sexuais".

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Os dois jovens, na casa dos 20 anos, não querem revelar a identidade por medo de represália de apoiadores do presidente. A revista Época, todavia, antecipou perfil de uma das artistas.

Ambos deletaram suas contas em redes sociais e dizem ter saído da cidade após a exposição. Eles pediram que quaisquer detalhes sobre rotina e biografia fossem omitidos na reportagem, para dificultar a identificação deles.

Bolsonaro

Bolsonaro é seguido por 3,45 milhões de contas. Para justificar a publicação, ele afirmou: "temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro".

O vídeo mostra um ator urinando na nuca da atriz - prática sexual conhecida como "golden shower", ou chuva dourada. A publicação do presidente foi apresentado pelo Twitter como "sensível".

A cena era uma performance da artista e ativista que se dedica a discutir “sexualidades não normativas”, de acordo com a revista Época. O vídeo, gravado durante o BloCU, em São Paulo, mostra momento em que ela dança, penetra-se com os dedos e, em certo momento, abaixa a cabeça para que um outro rapaz (também artista) urine sobre ela.

Leia o manifesto na íntegra:

MANIFESTO GOLDEN SHOWER

"Ao contrário do que disse o presidente da República, o vídeo que ele tuitou não era "um fervo imoral de carnaval". Era uma performance, ato de cunho artístico, planejado, com intuito de comunicar uma mensagem de artistas. Nossa performance, portanto, é ATO POLÍTICO. Um ato contra o conservadorismo e contra a COLONIZAÇÃO dos nossos corpos e nossas PRÁTICAS SEXUAIS.

Nós somos a EDIY, uma produtora pornográfica que trabalha a partir de corpos e desejos desviantes. O PORNOSHOW é uma prática de performance, dança e pornô contra a pornografia tradicional, que COLONIZA e encolhe nossa sexualidade. Nossos corpos e desejos dissidentes rompem com os papéis de gênero machistas e misóginos que enxergam os corpos feminilizados como buracos. Nós estamos ao lado da imoralidade de vidas ditas como irrelevantes e matáveis. Somos os corpos não docilizados da escatologia social. Nossos desejos NÃO DIALOGAM com o sistema sexo-produtivo do CIS-heterossexismo, masculino e branco. Em tempo: não somos homens, somos BIXAS.

Apesar de surpresas com a repercussão do registro da nossa performance, a PORNOSHOW, é importante contextualizar a ação que o presidente e sua turma tiveram acesso via Twitter. Ela é uma resposta ao retrocesso moral e institucional que avança desde o dia de sua posse, porque estamos CANSADAS.

O presidente, frente à enxurrada de críticas nos carnavais de todo país, preferiu produzir outra cortina de fumaça nas redes. Afinal, é mais importante fiscalizar o cu alheio (literalmente) que tratar de administrar o país e dar melhores condições de vida para quem precisa. E nós, a população brasileira, merecemos RESPEITO independente das práticas sexuais, das identidade de gênero, de raça e de classe.

Já que o presidente nos viralizou, propomos uma discussão sobre práticas sexuais não hegemônicas e hegemônicas. Não esperem que transemos para reprodução, tampouco que nos digam como devemos transar. Não estamos aqui para falar o que é certo, errado, ou impor qualquer coisa. Queremos RESPEITO E DIREITOS IGUAIS.

Agradecemos pela divulgação e nos colocamos abertamente a favor do seu impeachment. Os ataques a direitos historicamente conquistados, a licença para matar conferida contra as populações indígenas, invisibilização de populações marginalizadas como nós LGBTTQIAN+, os ataques às mulheres cis e trans e à população negra, quilombola e com diversidade funcional o justificam. Pois estamos sendo MORTAS e nossos direitos sendo violados.

MAS NÓS JÁ COMEÇAMOS E NÃO VAMOS PARAR. Não daremos nenhum passo atrás. Para encerrar a polêmica sobre o carnaval, estamos de acordo com Leandro Vieira, carnavalesco da vitoriosa Mangueira: “O carnaval é a festa do povo, é cultura popular. Não é o que ele acha que é. Ele devia mostrar para o mundo o carnaval da Mangueira, da arte e da luta.” #ImpeachmentBolsonaro #goldenshower #pornoLGBT+"

Leia ainda nota dos advogados dos artistas:

"O vídeo em que se exibe a prática conhecida como 'golden shower', tuitado de forma irresponsável e carente de embasamento técnico pelo Senhor Presidente da República se trata, na verdade, de uma perfomance artística ocorrida no carnaval de rua, em São Paulo. Os artistas o fizeram de forma articulada, visando um manifesto cultural, dentro dos limites da legalidade.

Cabe alertar o sr. Presidente que o Carnaval é uma festa do povo e para o povo, cultivada desde o período colonial, inclusive com notável caráter político, tendo se prestado como veículo da insatisfação popular com seus governantes em muitos momentos. Estado Democrático de Direito que –ainda– somos, a Carta da República garante, em seu artigo 5º, inciso IX, a liberdade de manifestação cultural e artística. Nesse sentido, é de se ressaltar que a performance retratada no dito vídeo está amparada constitucionalmente e qualquer esforço em desqualificá-la, reprimi-la ou reprová-la pode ser enquadrada como ato de censura.

Diante da postura incompatível com a solenidade exigida do Presidente da República, que no Brasil acumula as funções de chefe de governo e de chefe de Estado, que infla sentimento de repúdio a LGBTs, e da repercussão dos fatos, os artistas apresentam seu manifesto".

Flavio Grossi e Cynthia Almeida Rosa, advogados, representantes dos artistas

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