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"Maioria das barragens precisa de obras corretivas", diz especialista

Engenheiro civil Antônio Nunes de Miranda coloca em debate a importância de revisar políticas de segurança das barragens do Brasil para evitar tragédias como a de Brumadinho
20:48 | Fev. 03, 2019
Autor Rubens Rodrigues
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Rubens Rodrigues Repórter do OPOVO
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Tipo Notícia

Doutor em Mecânica dos Solos pela Colorado State University, o ex-titular do Departamento de Engenharia Estrutural e Construção Civil do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Antônio Nunes de Miranda, dialoga sobre barragens após a tragédia de Brumadinho (MG). Na cidade mineira, barragem da Vale se rompeu. Até este domingo, 3, 121 mortes foram confirmadas.

O professor tem pesquisas com ênfase em geotecnia e segurança de barragens, com consultoria em fundações, contenções e barragens. É também um dos responsáveis pela montagem do Programa de Inovação da Indústria da Construção Civil no Ceará (Inovacon-CE). Ele deu entrevista para O POVO Online na última sexta-feira, 1º, após evento sobre barragens na Universidade Federal do Ceará (UFC).

O POVO - Foram mais de 800 acidentes e incidentes em barragens nos últimos 20 anos. O Brasil tem capacidade estrutural, de tecnologia e também do ponto de vista de recursos humanos, pra evitar esse tipo de problema?

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Antônio Nunes de Miranda - O Brasil tem toda condição pela sua capacidade de engenharia e de trabalho. E a própria estrutura administrativa que está sendo criada pode dar conta disso. O que acontece é que a lei que criou esse sistema de segurança de barragem é de 2010. E ainda está em implementação. Aqui no Ceará que já tinha isso antes da lei, o Estado rapidamente se adequou e está se adequando muito bem. Mas os outros estados ainda estão se adequando a isso. A Agência Nacional das Águas promove cursos para os técnicos, engenheiros, administradores estaduais. Está havendo uma montagem do sistema. Há condições dos estados se prepararem. Agora, alguns pontos precisam ser incentivados, executados com mais destreza.

OP - Que pontos precisam ser melhorados?

Miranda - A questão de recursos para correções de problemas. É importante que quando um órgão estadual ou federal localiza uma falha, um problema que a gente chama de anomalia numa barragem, aquilo tem que ser corrigido. É preciso então que os órgãos públicos providenciem os recursos para que essas correções sejam feitas nas barragens públicas. E que quando for uma barragem particular, de um indivíduo ou de uma empresa, que eles promovam também as correções com seus recursos próprios. Já que são usuários das barragens, eles têm a obrigação de fazer as correções.

OP - O senhor acredita que há uma necessidade de revisar, fazer mudanças na Política Nacional de Segurança de Barragens?

Miranda - As políticas precisam ser aperfeiçoadas porque agora vão surgir pontos a serem corrigidos. Agora, o que eu critico e que hoje proponho que seja evitado são mudanças por conta do clima emocional que possam mais prejudicar esses processos do que ajudar. Mudanças no sentido de passar responsabilidade para o Estado, para o governo, a responsabilidade por barragens que não são do governo. Porque o governo não tem estrutura, não tem recurso. E nem é justo que a barragem particular, que tenha o bônus da utilização, passe para o Estado, para a sociedade - que é quem paga - os custos de manutenção e operação da barragem.

OP - Brumadinho tinha baixas vulnerabilidade e probabilidade de rompimento. O que isso significa em relação às outras barragens que estão nesse mesmo status? Pode levantar algum tipo de suspeita?

Miranda - É preciso ter cuidado com isso. Essas barragens de rejeito com alteamento a montante, tá claro que são problemáticas e devem ser corrigidas de imediato. Fazer obras para garantir a estabilidade delas. As outras barragens que estão nessas relações de alto risco... Esse alto risco é uma convenção. Inclusive, proponho que mude para “barragem que exige alta atenção”, porque não é alto risco. A maioria dessas barragens precisa de obras corretivas para coisas que no futuro possam vir a apresentar problemas e causar rupturas, mas não existe ameaça de ruptura imediata. A gente entender por alto risco quando a barragem entra nessa situação de ruptura imediata e não é o caso. Essa expressão está sendo usada de forma não conveniente. Agora, no caso das barragens do Dnocs, é preciso que o Governo Federal mande os recursos para o Dnocs fazer as correções. A parte técnica, o Dnocs tem competência. Já examinou barragens, já fez inspeções. Sabe o que tem que ser feito. Já tem até projeto para essas obras. O Governo Federal já mandou recursos e o Dnocs priorizou oito primeiras barragens e faltam oito. É preciso brigar para que o recurso venha.

OP - O que esse tipo de exploração e a recente experiência de Brumadinho podem significar para o futuro da mineração no Brasil?

Miranda - Não vai prejudicar, entende? Existem outras tecnologias para os minérios que evitem os rejeitos em forma de lama. Existem outros tipos de barragem que mesmo com custo mais alto podem ser aplicados. Não vejo como isso pode resultar em dano irreversível para a produção de minério no Brasil. Talvez aumente o custo das mineradoras, mas isso entra para o preço de mercado. O Brasil é um player importante na mineração. Pode ficar certo de que isso vai ser absolvido pelo mercado internacional.

OP - Uma semana após a tragédia de Brumadinho, que avaliação o senhor faz do cenário que se formou?

Miranda - Acho que o tamanho do desastre, a tragédia, a gente fala em números e às vezes esquece das pessoas, né? Existe uma tragédia humana, existe toda essa dor. Agora, o que a gente acredita é que essa tragédia vai servir de motivação para fiscalização, que se torne mais presente. Que esses sistemas passem a ter prioridade maior. O desastre tem uma importância de servir para rever as prioridades das atividades do governo, que normalmente ficam dispersas entre as outras necessidades de educação, saúde, segurança.

OP - O que esse tipo de experiência sinaliza para o Ceará?

Miranda - O Ceará é um caso a parte. Nós temos um bom sistema de fiscalização, uma boa prática. De maneira geral, não vejo problemas no Ceará. A única barragem de rejeito no Ceará não foi executada, é uma barragem projetada para Itataia. Então, não é o nosso caso. A única coisa que é importante pra gente é garantir, e aí sai um pouco da autonomia do Estado, da nossa região, que venham os recursos do Governo Federal para que o Dnocs possa continuar no processo de recuperação das barragens.

Rubens Rodrigues

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