Maternidade demite grávidas em Salvador
Mulheres se uniram por direitos trabalhistas:"Esse dinheiro tá fazendo falta"[FOTO1]
Se quando se mexe com uma mexe com todas, experimente mexer com os filhos delas. O instinto materno, a injustiça e o drama financeiro que estão passando encorajaram 12 funcionárias grávidas e 13 de licença-maternidade de uma unidade de saúde do Governo do Estado da Bahia a lutar por seus direitos. A grande ironia é que elas, apesar de gestantes ou de licença, foram demitidas de uma instituição que realiza partos, a Maternidade de Referência José Maria de Magalhães Neto, no Pau Miúdo, em Salvador.
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AssineApós serem desligadas do Instituto Hygia, que administrava a unidade até agosto, elas não se calaram e organizaram uma espécie de “revolta das grávidas”. Por lei, elas não podem ser demitidas no período entre a confirmação da gravidez e cinco meses após o parto. Nessa quinta-feira, 4, cinco gestantes e duas de licença- maternidade protestaram em frente à maternidade. Elas também já fizeram manifestações na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e procuraram o Ministério Público do Trabalho (MPT).
A onda de incertezas atingiu os funcionários da maternidade no dia 27 de julho deste ano. Foi quando saiu no Diário Oficial do Estado uma publicação informando que o contrato com a Hygia Saúde, que administrava o lugar há um ano e sete meses, estava se encerrando. Os 1.050 funcionários estariam, no mês seguinte, no olho da rua.
De acordo com a Sesab, o processo de contratação de uma nova empresa havia começado em novembro de 2017, mas a Hygia, que tentava permanecer no local, tinha sido desclassificada por não conseguir comprovar a regularidade no pagamento do FGTS, entrou com um mandado de segurança.
Por conta disso, o processo de contratação não foi concluído. “Então, diante da situação de deterioração da prestação de serviços e para que seja garantida a assistência, optou-se pelo pela dispensa emergencial da Hygia”, explicou a Sesab, em nota. Quem assumiu, com contrato de 180 dias, de R$ 47,8 milhões, foi o Instituto de Gestão e Humanização – IGH.
Com a saída da Hygia, os funcionários da unidade entraram em aviso-prévio, com exceção das 12 mulheres grávidas e 13 de licença-maternidade. Mas, no dia 25 de agosto, todos foram desligados, incluindo as 25 mulheres. São pelos direitos de estabilidade que elas lutam agora.
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“Imagine uma mulher ficar desempregada no momento mais importante da vida dela. Essa situação é muito difícil. Você saber que tem seus direitos e que seu bebê tem seus direitos garantidos e ter que implorar por esses direitos é muito doloroso. Isso tá afetando as nossas gestações. Esse dinheiro está fazendo muita falta”, afirma a enfermeira Cássia Rosa, 35 anos.
A pior situação é a das 13 mulheres de licença maternidade. Essas sequer chegaram a receber aviso-prévio. “Comprei enxoval, berço, tudo, pensando nesse dinheiro. Estamos enxugando ao máximo para conseguir dar uma vida digna a ela”, disse a fisioterapeuta Nathalia Florence, 30, com a filha de três meses nos braços.
Sem leite
Na prática, o que se vê são grávidas sem condições de comprar enxovais, mães de licença maternidade desesperadas para pagar o plano de saúde dos bebês e até para comprar leite. A técnica de enfermagem Jocélia de Sá Barreto, 37 anos, ainda administra a falta do leite materno.
“Com essa situação toda, o meu leite secou. Tenho que comprar uma lata de R$ 48 por semana. Vou tirar esse dinheiro de onde?”, questiona Jocélia. Elleninha, de dois meses, toma seis mamadeiras por dia.
“Tem o leite que a gente tá se virando, tem o plano de saúde que meu irmão tá pagando. Tem as contas que minha mãe tá ajudando a pagar”, conta. O jeito, dizem, foi se unir. “Nós vimos que se a gente não se unisse não ia chegar a lugar nenhum. Estamos passando por uma humilhação e por isso estamos pedindo ajuda”, diz Cássia.
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Recontratação
Boa parte das funcionárias - oito, das 12 gestantes - foi recontratada ainda em agosto pela nova empresa. As que estão de licença-maternidade continuam de fora. Mas, mesmo as recontratadas seguem sem direitos trabalhistas garantidos pelo antigo empregador.
“Tivemos que nos humilhar muito para sermos recontratadas. Um desgaste muito grande. E ainda não recebemos o que prevê nossos direitos”, protesta a técnica de enfermagem Caroliny Santos, 28. Segundo cálculos feitos por sindicatos que representam as mulheres, os débitos da Hygia com os antigos colaboradores chega a R$ 9 milhões. A empresa foi procurada pelo CORREIO, mas não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Hoje trabalhando na mesma maternidade pelo IGH, a técnica de enfermagem Marismara Lemos teme que os direitos trabalhistas não sejam honrados pela antiga empresa. Ela conta que, quando foi chamada para assinar o aviso de demissão, não sabia que estava grávida. O combinado era que ela trabalhasse por mais 15 dias - que seriam pagos. Ledo engano.
“Não temos previsão de quem vai pagar e nem se vão pagar. É tudo muito inseguro. Mesmo estando trabalhando por outra empresa agora, ainda temos que garantir nossos direitos com a anterior. Os nossos direitos estão sendo roubados”, desabafa Marismara.
Sindicatos
Quando procurada pelos trabalhadores, a Hygia Saúde se defendeu afirmando que a Sesab, que realiza o intermédio do contrato, não havia repassado as verbas. A Sesab nega (leia mais abaixo).
Seis sindicatos atuam junto com os funcionários para tentar mediar acordos. Entre os demitidos, há atendentes, psicólogos, técnicos, enfermeiros e médicos, que procuraram o Ministério Público do Trabalho (MPT) e fizeram audiências de concliliação.
Jeane de Oliveira, 35, técnica em nutrição, ficou durante o contrato da Hygia prestando serviços à maternidade. O contrato da empresa foi rompido justamente no dia em que seu filho nasceu. “Até agora só recebi 60% do meu FGTS. Estou correndo atrás. Não há explicação e é um jogo de empura-empura”, conta. Nos seus cálculos, feito junto com o sindicato e um advogado, a antiga empresa lhe deve R$ 13 mil.
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MPT media impasse entre Sesab e Hygia
Os seis sindicatos que representam os funcionários da Maternidade José Maria de Magalhães Neto procuraram o Ministério Público Federal para denunciar as demissões de 1.050 trabalhadores. Sem dar atenção específica ao caso das gestantes, o órgão informou que está conduzindo uma mediação entre os sindicatos, o Instituto Hygia e a Sesab. Na segunda de três reuniões, foi definida a liberação de quase R$ 2 milhões para pagar o FGTS pendente dos demitidos.
O valor foi depositado no final do mês, mas as grávidas e os outros funcionários ainda não puderam sacar. “Falta a chave para fazer o saque. Eles pagaram retroativo desde janeiro até julho”. O MPT não deu informações sobre a última reunião, no dia 1º de outubro.
“Na última, não ficou nada definido. Eles disseram que era para a gente procurar a Justiça”, afirmou a nutricionista Laíse Barreto, 36 anos, uma das gestantes.
Segundo o MPT, ao encerrar o contrato de gestão da maternidadeo, o Instituto Hygia alegava não ter recebido todas as parcelas previstas para conseguir honrar com as verbas rescisórias. Em nota, porém, a Sesab garante que “não tem mais nada a pagar à instituição”. E emenda. “Quanto às questões trabalhistas, devem ser buscadas junto ao MPT”.
A Sesab explicou também que, durante a nova concorrência, a Hygia impetrou mandado de segurança após ter sido eliminada na fase de habilitação “em decorrência da não comprovação de regularidade relativamente a débitos trabalhistas e ao FGTS”. Segundo a secretaria, “este fato está impedindo a conclusão da concorrência pública”. A Hygia foi procurada pelo CORREIO, mas não se manifestou até o fechamento desta edição.
O MPT diz ainda que, até o dia 12, deverão ser encaminhados pelo Hygia aos sindicatos os termos de rescisão de contrato de trabalho. Com eles, os demitidos poderão dar entrada no pedido de seguro-desemprego e sacar o FGTS. A procuradora Rita Manovanelli, que conduz a mediação, afirmou que “a situação é complexa, mas as partes estão se dispondo a encontrar soluções, mesmo que parciais”.
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Funcionários podem pedir indenização, diz advogada
O fim do contrato entre o governo do estado e a Hygia Saúde, que administrava a Maternidade de Referência José Maria de Magalhães Neto até agosto, não exclui a responsabilidade da empresa em honrar o pagamento dos direitos trabalhistas das funcionárias.
Quem explica é Adriana Wyzykowski, professora de Direito Trabalhista na Ufba, Uneb e Faculdade Baiana de Direito. “Todos os direitos trabalhistas a essas gestantes estão resguardados. Se a empresa continua a existir, independentemente da troca do contrato, essas gestantes, inclusive, podem pleitear reintegração no vínculo empregatício durante o curso dessa estabilidade gestante, que vai da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”, afirma.
No caso das empregadas que já estão fora do período de estabilidade, ainda é possível pedir uma indenização - tanto pelo fato de terem sido demitidas durante esse período, quando por danos morais. O cálculo da indenização deve ser feito a partir do patamar salarial que a empregada teria durante a estabilidade. O descumprimento de qualquer direito relativo ao trabalho da mulher, coforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ainda implica em multa ao empregador.
“Se a gente parar pra pensar, a própria integridade dela é colocada em xeque quando a gente pensa no estado gestacional e no próprio aleitamento materno posteriormente. Então, é possível sim falar em uma indenização por dano moral”, afirma a especialista.
Caso haja falência da empresa, as ações são reunidas em juízo e, então, são levantados os bens que a empresa possui para tentar, com isso, fazer o pagamento a partir do crédito trabalhista.
Segundo Adriana Wyzykowski, a estabilidade às gestantes faz parte de uma política social de proteção ao trabalho feminino, que busca combater a ideia de que a mulher é um custo empresarial. “Num primeiro momento da história do direito do trabalho, o trabalho feminino era visto como uma espécie de custo, e é justamente essa a ideia que se deseja combater”, diz.
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