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Nova geração de brasileiros mira glória no surfe mundial

09:02 | Dez. 06, 2017
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Franzino e com apenas 10 anos, Rickson Falcão não parece ser páreo para as ondas que quebram no litoral atlântico do Brasil, mas segundos depois de se lançar em cima da prancha, esse garoto surfista se transforma.
Em meio à espuma das ondas, Rickson e sua prancha surgem como um golfinho.

"Ele não tem medo, ele surfa qualquer coisa", garante o salva-vidas Flávio Souza, 23 anos, enquanto vê Rickson fazer o sinal da cruz e remar pela arrebentação da praia de Saquarema, situada ao leste da cidade do Rio de Janeiro.

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Nos últimos três anos, a 'Brazilian Storm' (Tempestade Brasileira, em inglês), liderada pela estrela Gabriel Medina, derrubou as portas do clube da elite do esporte, tradicionalmente composto por surfistas americanos, havaianos e australianos.

Onze dos atuais 44 melhores tenistas do ranking mundial são brasileiros, algo inimaginável há alguns anos.

Medina, que iniciou esse movimento ao conquistar o mundial em 2014, terá outra oportunidade de vencer o título a partir desta sexta-feira, quando tentará destronar o atual campeão, o havaiano John John Florence, durante o Billabong Pipe Masters, no Havaí, no último evento da temporada.

E se algum tradicionalista dos bastiões do surfe ainda torce para que essa 'Tempestade Brasileira' se dissipe, seria bom checar a previsão do tempo em Saquarema.

Rickson, que vive e estuda perto do mar e passa metade de seu dia surfando, começou a domar as ondas com 2 anos de idade. Hoje, o garoto coleciona troféus de competições para sua idade, assim como estão fazendo vários de seus amigos de praia, e mostra ser impressionantemente focado.

"Ele tem a psicologia de um atleta. Isso é muito importante", afirma a mãe de Rickson, Rejane Falcão, 37 anos, que assumiu as funções de técnica, empresária e assessora de imprensa do filho.

O menino dos cabelos desarrumados, sentado em casa rodeado de troféus, não parece arrogante quando descreve, com voz quieta, seu sonho:
"Meu sonho? Ser campeão do mundo de surfe."

Na praia de Saquarema, ele não é o único a almejar o topo. "A maioria de nós, do surfe, quer ser campeã do mundo", completa.

Apesar de ter um vasto litoral atlântico, o Brasil tem poucos picos mundialmente reconhecidos para a prática do surfe. Até recentemente, o país também sofria com uma classe média pouco numerosa para o crescimento de um esporte não tão acessível.

Um dos 'points' com as melhores ondas no país sempre foi o litoral paulista, de onde surgiu Medina. O outro é Saquarema, uma pacata cidade famosa pela bonita igreja construída no topo de um penhasco separando duas praias de ótimas ondas.

Os locais chamam Saquarema de "Maracanã do surfe brasileiro". De fato, a cidade respira o esporte, com diversas pessoas passeando pelas ruas com uma prancha debaixo do braço.

No centro da cultura local está Luiz Augusto de Matos, o 'Nena', um bombeiro aposentado que abriu a Escola de Surf de Saquarema em 1990 e se dedicou a transformar gerações de crianças em domadores de ondas. Hoje, ele conta com 30 alunos.

Os pupilos de Nena vão de Alessandra Vieira, campeã do mundo amadora de 1994 aos 14 anos, ao surfista profissional Raoni Monteiro. Carol Bonelli, uma das maiores promessas do surfe feminino no circuito júnior, também cresceu em Saquarema, mas atualmente treina com Medina.

Segundo Nena, 50 anos, a escolinha faz parte da história do surfe brasileiro.

"Nosso projeto é pegar eles pequenos e criar eles. Rickson (Falcão) é outro. É um berço de campeões".

A Brazilian Storm sofre com a falta de apoio financeiro que fortalece os competidores oriundos de Austrália, Havaí e Estados Unidos continental.

Com o Brasil ainda tentando sair de uma profunda recessão econômica e com o governo do estado do Rio sofrendo para arcar com os serviços básicos da população, Nena e outros entusiastas contam majoritariamente com o amor pelo esporte para sobreviver.

Até atletas excepcionais como Medina "carregam o Brasil, não é o Brasil que carrega eles", afirma.

Mas há sinais de mudanças. A mãe de Rickson Falcão revela que o garoto recebe 500 reais por mês do 'Bolsa atleta', o programa social do Ministério do Esporte de patrocínio a atletas.

E, neste ano, a Escola de Surf de Saquarema acertou parceria com uma academia local dedicada ao treinamento de surfistas.

A atmosfera na academia -onde se pode fortalecer os músculos usados para remar ou treinar o equilíbrio em pranchas trêmulas- em nada se assemelha àquela imagem de descontração associada ao passado 'riponga' do surfe.

"É parte do que está acontecendo no Brasil com Gabriel Medina", diz o personal trainer David Santos, 38 anos, enquanto rege crianças por uma série de exercícios de agilidade.

Santos espera que a academia ajude a colocar Saquarema de maneira mais firme no mapa internacional do surfe dando aos surfistas um local onde possam realizar sessões dedicadas de treino.

Nena brinca que Saquarema tem o equivalente à piscina de ondas artificiais do astro americano Kelly Slater, que produz tubos perfeitos em sucessão.

No caso de Saquarema, trata-se de um canal próximo à igreja onde o mar quebra e reverbera em ondas menores e limpas pela parte rasa da praia, criando um lugar perfeito para iniciantes.

Se uma Braziliam Storm é possível em circunstâncias tão humildes, resta imaginar o que aconteceria com o apoio e os recursos adequados.

"Será uma avalanche gigantesca", afirma Nena, escolhendo outro fenômeno da natureza para descrever sua visão do futuro. "Vamos invadir".

 

 

AFP

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