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Trabalhar cansa: documentário de Marcelo Gomes fala de capitalismo na "capital do jeans"
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Trabalhar cansa: documentário de Marcelo Gomes fala de capitalismo na "capital do jeans"

| V&A viu | Documentário do pernambucano Marcelo Gomes traça microcosmo da estrutura capitalista ao apresentar a relação da cidade de Toritama, a "capital do Jeans", com o trabalho
Documentário
Foto: divulgação Documentário "Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar", de Marcelo Gomes, mostra panorama do trabalho na cidade de Toritama, no agreste pernambucano

12 de maio de 2016: Michel Temer (MDB) profere o primeiro discurso enquanto presidente interino e dá o tom do governo repetindo a frase que vira em um posto de gasolina no interior paulista - "não fale em crise, trabalhe". 11 de novembro de 2017: passa a valer a reforma trabalhista proposta por Temer, alterando pontos como terceirização, jornada de trabalho e períodos de descanso e férias, com a justificativa de combater o desemprego e a crise econômica. 1º de janeiro de 2019: Jair Bolsonaro (PSL) toma posse como presidente do Brasil e, entre outras decisões, extingue o Ministério do Trabalho. O emprego e sua falta são temas centrais entre as questões pelas quais o País passa nos últimos anos. Neste contexto, estreia hoje um bom ativador de discussões sobre trabalho, capitalismo e tempo: Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, documentário do pernambucano Marcelo Gomes.

O filme apresenta Toritama, cidade do agreste pernambucano, conhecida pelo cineasta desde a infância. Agora, porém, ela guarda novidades: a tranquilidade e o silêncio de outrora deram lugar ao barulho das máquinas de costura, o som das músicas de rap e funk e os montes de tecidos levados para lá e para cá por carros e motos. Nos últimos anos, o município foi o responsável pela produção, em especial em pequenas "fábricas" de confecções, de mais de 20 milhões de peças de jeans do País. A maioria dos mais de 40 mil habitantes da cidade trabalha costurando bolsos de calças ou zíperes, fazendo desenhos a laser nas peças e vendendo a própria produção. São autônomos e, como destacam, "donos do próprio tempo". O único período em que aproveitam para ter lazer de fato é no carnaval, quando chegam a vender muitos pertences para conseguir um dinheiro a mais e ir à praia.

O tema do documentário vai além a partir das histórias que colhe, do modo que filma e das reflexões que partem tanto do que é capturado quanto dos discursos na narração do diretor. A câmera percorre as ruas, enquadrando as casas, e, nelas, vemos 5, 10, 15 pessoas fazendo movimentos repetitivos nas máquinas de costura, envoltas por linhas e tecidos.

Alguns discursos dos entrevistados também se repetem. É bom, dizem, não ter chefe. É indicado, também dizem, trabalhar o máximo de tempo possível, pois isso equivale a mais dinheiro a ganhar. Já a narração do cineasta é carregada de um tom nostálgico, de comparação do atual momento com a Toritama agricultora, pacata. Há de se refletir, a partir desse dado, sobre o tipo de "desenvolvimento" que o município - o Brasil, o mundo - vêm passando. Ele é potencialmente predatório, mas os próprios moradores da cidade, afinal, comemoram por terem ocupação, por ganharem dinheiro. Há muito a se refletir - a autonomia do trabalho é parcial, não há direitos, mas há necessidade e vontade de atividade laboral.

Entre os entrevistados, uma figura da cidade se destaca, ocupando o posto de protagonista. É Léo, um homem de 30 ou 40 anos, cuja primeira aparição é descansando - uma ruptura, quase uma contravenção, aos constantes movimentos de Toritama e, também, dele próprio. Envergonhado pelo flagra, garante que é trabalhador. Já cortou cana ganhando 10 reais por semana aos 13 anos, torou pé de fruta, cavou buraco, arrancou toco e, mesmo trabalhando naquele momento com jeans, faz bicos ocasionais para inteirar a renda. Léo funciona, enfim, como um resumo da realidade dos brasileiros, marcada por esforço e a esperança.

 

Sobre o assunto:

Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar

Quando: sessões hoje, 13 e 16, às 20 horas; dias 12 e 17, às 14h15 e 18 horas; dia 14, às 18h30

Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81)

Quanto: R$ 14 (inteira)

 

Foto do João Gabriel Tréz

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