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Quando o espetáculo vira negócio
Vida & Arte

Quando o espetáculo vira negócio

| Cena ceará | Encerrado no último sábado, em Fortaleza, Festival de Artes Cênicas trouxe para a programação mais que espetáculos, mas um importante debate sobre empreendedorismo na arte
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1ª Rodada de Negócios de Artes Cênicas (Foto: Fotos Tim Oliveira/ Divulgação
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Foto: Fotos Tim Oliveira/ Divulgação 1ª Rodada de Negócios de Artes Cênicas

Do que é feito um espetáculo, para além do palco, coxias, cortina e plateia? Tendo como ponto de partida um fazer - seja teatral, circense, de dança ou performance - que não perca sua essência, mas também seja visto enquanto produto/negócio, diversos grupos e coletivos locais reuniram-se, na última sexta-feira, 5, com programadores de diversos estados por ocasião da 1ª Rodada de Negócios de Artes Cênicas, realizada na sede do Sebrae-CE. A iniciativa, em parceria com o FAC - Festival das Artes Cênicas: Cena Ceará, jogou luz sobre questões mais amplas que dizem respeito à própria sustentabilidade dos artistas envolvidos.

"A Rodada de Negócios surge de uma lacuna que a gente percebe aqui no campo da formação. É muito comum as pessoas dizerem que a produção do Ceará é muito rica, mas que para conhecer, têm que vir ao Ceará. Isso tem a ver com a falta de circulação e a gente sabe disso: vivemos num País de dimensões territoriais enormes, continentais, e isso dificulta muito a nossa circulação enquanto artista", sinalizou Monique Cardoso, diretora do FAC. Para ela, a cultura de um modo geral precisa ser pensada também pelo viés econômico, para além do desenvolvimento social ou humano.

"Nós, por exemplo, estamos movimentando aqui, diretamente, cerca de 70 pessoas, fora a rede hoteleira, a gráfica, o restaurante, o motorista... Então tem muita gente envolvida e temos que pensar nessa perspectiva de movimentação econômica - lógico, mantendo o cuidado e o respeito sempre com a obra, que é o mais importante", justificou Monique. Orlângelo Leal, do grupo Dona Zefinha (Itapipoca), destaca a força presente nessa área. "As artes cênicas têm um potencial muito grande e, geralmente, nós do teatro somos muito ligados somente ao universo criacional. Mas para sobreviver como ator, diretor, na sua completude, a gente tem que aprender e dominar esse universo, que é novo e ao mesmo tempo antigo: as pessoas sempre compraram e venderam seus espetáculos, suas performances".

A importância da rua e do "passar o chapéu" foram ainda colocados por ele, que está à frente do grupo já com 26 anos de estrada. "Nós fomos para a Argentina e o que mais a gente aprendeu lá foi a trabalhar na rua e passar o chapéu. Porque os artistas com os quais a gente conviveu já fazem isso há anos. É chapéu, é rua, mas com o discurso de que o maior usuário desse espetáculo é o público. Então ele tem que pagar por isso", reflete. Alysson Lemos (As 10 Graças de Palhaçaria) traz essa visão levantada por Orlângelo para seu grupo. "A gente valoriza muito a cultura do chapéu porque é de onde a gente vem. Estamos ainda muito na rua, passando o chapéu e fazendo eventos que valorizem essa cultura", explica.

O fortalecimento de uma rede de festivais foi um dos pontos citados pelo ator-palhaço. "Fortalecer essa rede é o mais importante também e, no momento que a gente está então, circular é uma das maneiras que a gente tem de manter o contato com o público, que é o que vai financiar e fomentar ainda alguma coisa. Não vou dizer que a gente tem que se reinventar porque isso a gente já está fazendo, né? Esse é um papo que já chega atrasado porque já estamos nos reinventando, principalmente aqui no Nordeste. Então temos que re-reinventar em outras rodas", concluiu Alysson. Também da seara do circo, Felipe Abreu (Cia. Laguz) conseguiu resultados positivos a partir de experiências do grupo em outros eventos pelo País.

"A gente tem tido a oportunidade de estar presente em outras rodadas de negócios e entendemos essa necessidade e importância disso porque já nos surtiram efeito. Já participamos de programações que foram frutos de rodadas e programadores que nos conheceram pessoalmente e depois viram o nosso trabalho. Cada vez mais a gente está entendendo esse universo, sem perder a nossa essência, mas se entendendo como um lugar de produto mais subjetivo, mais sensível, mais artístico, e aprendendo a apresentar o nosso trabalho e falar de nós mesmos", reconhece. "Desde o início procuramos esse profissionalismo de entender como a gente poderia se formalizar porque, só assim, a gente teria trabalho. Como virar uma empresa, como emitir uma nota, tudo isso entendemos que precisaríamos fazer", complementou.

"Esse tipo de evento possibilita a circulação dos espetáculos produzidos aqui nos outros festivais do Brasil inteiro e, quiçá, fora também porque, quando se vai para outros estados, têm outros programadores de outros festivais internacionais que acabam se fazendo ponte. É interessante pensar o teatro como - eu não gosto muito de dizer, mas... (risos) - um produto, um negócio, mas acaba se pensando também um olhar mais profissional para o fazer teatral. E aí você começa a fazer essas pontes e essas ligações", arremata Tomaz de Aquino, ator, diretor e professor do IFCE.

Rejane Reinaldo, programadora à frente da Bienal Internacional de Teatro do Ceará (BITCe), que terá uma segunda edição agora em 2019, visualiza frentes diversas para o universo das artes cênicas. Sobre a Rodada de Negócios no Sebrae: "Eu achei muito interessante porque, apesar de todo o olhar ao avesso, de se olhar estranho a arte com a palavra negócio, negociação, empreendedorismo, etc., isso também faz parte. Eu penso que isso não vá mudar a filosofia da gente e todo o nosso pensamento sobre teatro. Ninguém vai ser mercenário e agora pensar só em negócio e no comércio da arte, não. A arte é muito livre, mas é também uma possibilidade de você trabalhar. Há várias formas de você trabalhar com a arte, que não só no palco", afirmou.

"Evidentemente que um encontro desses é restrito porque, veja: quantos grupos já profissionalizados a gente têm em Fortaleza? Muitos, e ali nós tínhamos uma amostra. Mas é isso! Tudo na vida é seleção. A gente ainda tem que pensar qual é a forma mais democrática de ampliar e ter a participação maior das pessoas. Mas nos festivais, há um próprio limite de espetáculos. Sempre há uma seleção e, particularmente nesse evento, houve uma generosidade da parte das organizadoras. Elas fizeram uma coisa coletiva, aberta para a Cidade, convidaram pessoas... Foi um encontro muito marcado pelo afeto, pela alegria e pela generosidade", finaliza Rejane.

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