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A trajetória agônica da política brasileira
Vida & Arte

A trajetória agônica da política brasileira

| NETFLIX | Em novo documentário, diretora Petra Costa remonta o processo do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT)
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 (Foto: AFP/Getty Images)
Foto: AFP/Getty Images

Entre as qualidades e defeitos de Democracia em vertigem, novo documentário de Petra Costa que estreou na Netflix no mesmo dia em que Sergio Moro depunha no Senado, cito os dois principais: é um alentado resumo dos fatos políticos mais relevantes dos últimos 15 anos no País.

Mas é também uma narrativa que adere facilmente a um ponto de vista, o que talvez acabe comprometendo seu alcance e propósito, qual seja: o de falar a um número amplo de pessoas além dos círculos de convertidos. A obra parece se satisfazer em comunicar-se com a sua bolha. É, de longe, o seu elemento mais frágil.

Às qualidades, que não são poucas: Costa é eficaz ao repassar o processo de formação da política nacional, ancorando-o em fatos históricos e avançando década a década até chegarmos ao período pós-redemocratização e aos eventos que se seguiram às eleições de Lula em 2002 e 2006 e de Dilma Roussseff em 2010 e 2014.

Outro acerto do filme: sob perspectiva inédita, apresenta a antessala de nossa crise mais recente, aberta com o impeachment, que a diretora acompanha rente aos personagens - praticamente colada física e psicologicamente à perspectiva da ex-presidente petista.

Mais um aspecto importante do trabalho é o seu modo de situar socialmente as disputas travadas em 2014 e durante o afastamento de Dilma num espectro de poder e choque de interesses que remontam aos anos de ditadura militar, o que confere ao fio narrativo uma robustez de análise. Afinal, não se trata de fatos desconexos no espaço-tempo, mas de um elo na cadeia de acontecimentos políticos do qual o impeachment é peça importante. Para isso, Costa, neta de empreiteiros (seu avô era sócio da construtora Andrade Gutierrez, uma das implicadas na Lava Jato), vale-se de um recurso interessante, que é explorar a própria trajetória afetiva e familiar e daí discutir os impasses do Brasil como nação.

Agora, aos problemas, muitos dos quais concentrados na forma, que acaba por comprometer também o conteúdo: a adesão a um ponto de vista desde o início imprime ao documentário um andamento manco, que se detém em episódios como os conchavos do então PMDB para apear Dilma, por exemplo, mas passa rapidamente pelo mensalão e pelo esquema da Petrobras.

O maior escândalo dos anos Lula resume-se a uma ou duas frases, e os arranjos políticos do petista ganham no máximo uma reprimenda de caráter moral, expressa na voz em "off" da própria diretora que acompanha o trabalho do início ao fim.

A voz em "off", em si, é questionável, sobretudo quando se empenha em estabelecer laços de empatia numa chave melodramática, que se potencializa com uma música cuja intenção é a de incrementar essa sensação ora de grandiloquência, ora de melancolia e tristeza.

As intenções da produção de Petra Costa ficam desde logo muito claras: a democracia está em risco em dois momentos - no ato mesmo do impeachment e, pouco depois, na eleição de Jair Bolsonaro (PSL), então um deputado federal do baixo clero de retórica extremista que ganhou protagonismo quando o mundo político entrou em parafuso por causa da Lava Jato.

Há um problema quando uma obra de arte apenas reforça convicções, contentando-se em produzir uma catarse apaziguadora que, embora à primeira vista pareça verdadeira, mostra-se incapaz de distanciar-se dos acontecimentos - talvez porque eles ainda estejam em curso. Como documentário, portanto, Democracia em vertigem é pouco nuançado e tendendo a um esforço explícito de busca de cumplicidade de quem o veja.

Não há dúvida de que produz incômodo político ao revisitar cenas como a do voto dos parlamentares durante a sessão que aprovou o afastamento de Dilma. Mas creio que isso se explique mais pela natureza dos fatos. Se já eram nauseantes e cômicos àquela altura, hoje os discursos dos parlamentares soam como peças de um teatro do ridículo. O custo para expô-los ao vexame é mínimo: basta encená-los.

A dificuldade da tarefa de Costa estava em escapar do efeito de gravidade que a polarização ideológica alimenta, enxergando naquele circo todas as facetas dos atores em cena. Tenho a impressão de que foi precisamente aí que o documentário falhou.

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