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De quando os machos disseram sim
Vida & Arte

De quando os machos disseram sim

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Na tarde do domingo passado, 9, sete amigos se encontraram para celebrar uma aventura interrompida há 16 anos. Erwin, André, Elvis, Gerardo, Alexandre, Beto e Eliézer fizeram no quintal do Torra Café, em Fortaleza, um recital relâmpago do Macho Pero no Mucho, grupo vocal performático que nas décadas de 1990 e 2000 se destacou no cenário musical cearense por sua qualidade técnica, artística e pela forma inteligente como ironizava a masculinidade.

Entre uma música e outra, a plateia ouviu histórias risonhas relatadas por artistas que soltaram suas vozes com espirituosidade e leveza, em um tempo no qual a palavra homossexualismo começava a ser substituída pelas primeiras letras da sigla LGBTQIP (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersex, Pansexuais, Polissexuais) e pelo que viria a se visibilizar.

Contaram que certa vez foram participar de um espetáculo em Campina Grande e uma repórter os procurou para falar sobre a "bandeira" que eles estavam levantando. Ao ser questionada sobre qual "bandeira" se referia, ela mostrou a chamada de um jornal da cidade: "Homossexuais cearenses fazem show com artistas locais". Pensaram em processar a publicação por discriminação, mas deduziram que não era tão relevante o jornal ter deixado de informar que os "homossexuais cearenses" se apresentariam com "homossexuais locais".

Sem querer desmerecer a origem histórica da música Paraíba (Humberto Teixeira / Luiz Gonzaga), feita em homenagem à rebeldia da cidade paraibana de Princesa, liderada por Zé Pereira contra o voto de cabresto, na década de 1930, o Macho, brincando com a metáfora feminina atribuída àquele abusado estado nordestino, fez um arranjo para essa composição, lançada no ano de 1950 em Campina Grande: "Eita pau Pereira / Que em Princesa já roncou / Eita Paraíba / Muié macho sim sinhô".

Essa e outras músicas do repertório do Macho Pero no Mucho foram interpretadas no sarau do Torra Café. Teve meiguice roqueira à Celly Campelo: "Tomo banho de lua / fico branca como a neve / Se o luar é meu amigo / censurar ninguém se atreve", em Banho de lua (F. Migliacci / Fred Jorge / P. de Filippi). Teve também ironia fina e sensual à Ney Matogrosso: "Nunca vi rastro de cobra / Nem couro de lobisomem / Se correr o bicho pega / Se ficar o bicho come / Porque eu sou é home / Menino eu sou é home / E como sou!", em Homem com H (Antônio Barros).

Rolou Titãs: "Não posso mais viver assim / Ao seu ladinho / Por isso colo o meu ouvido / No radinho de pilha" (Sonífera Ilha); Caetano Veloso: "Há quanto tempo ele foi-se embora / Para bem longe, pra além do mar" (Sol negro); e Chico Buarque: "Se lembra da fogueira / Se lembra dos balões (...) Se lembra do futuro / Que a gente combinou / Eu era tão criança e ainda sou" (Maninha), esta interpretada também no bis.

Tenho a satisfação de ter produzido o primeiro registro do Macho, com André Vidal, Elvis Matos, Erwin Schrader, Gerardo Júnior, Pratinha e Marcos Maciel. Eles gravaram Abre La Ventana (Victor Jara) e Soy Loco Por Ti América (Gil / Capinan) com arranjos do maestro Tarcísio José de Lima, no álbum América (1992), da cantora Olga Ribeiro. Há registro do grupo ainda no disco Daniela Montezuma (2001), cantando Por quem merece amor (Sílvio Rodriguez), versão do MPB4, e interpretando Samba-choro (Nonato Luiz / TJ Lima) no álbum Canções (2003), de Nonato Luiz. Domingo feliz!!!

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