Logo O POVO+
Baobá
Vida & Arte

Baobá

Edição Impressa
Tipo Notícia

Foi um dia mágico feito de coisas simples. Às doze em ponto eu estava na Catedral Metropolitana de Fortaleza ouvindo a Ave Maria e vendo o centro da minha cidade pulsar. Sentar nos bancos da igreja sob a luz filtrada pelos vitrais é igual a estar dentro de um coração imenso onde a vida acontece.

Meus planos para aquele dia não incluíam a missa. Fui ao centro para procurar um artífice que fizesse redes. Encontrei o seu Geraldo, de olhos verdes atentos, com uma base de madeira na mão na calçada diante da igreja. Dominava o vocabulário da feitura da rede, esse objeto que nos deixa tão perto da sensação de voar. Fez o diagnóstico dos punhos, que sempre arrebentam, explicou como reparar o erro para que não volte mais a acontecer. Suas mãos hábeis e seus olhos antigos me fascinaram enquanto durou a aula magna. Do que adianta ter lido tantos livros se não sei lidar com punhos de rede? Seu Geraldo sabe muito mais da vida do que eu.

De lá eu entrei na igreja porque a Ave Maria de Schubert estava bonita e merecia meu tempo. Aquele pedaço da Cidade me emociona desde sempre. Sou neta de uma artesã que fez a vida no antigo Mercado Central. Andei pelo Centro quando criança levada pelas mãos das pessoas amadas que não estão mais aqui comigo. Subi os degraus da Catedral obedecendo ao chamado da melodia e tenho certeza que muitas almas amadas subiram comigo.

No pedacinho de missa que escutei, o padre falou do apóstolo Paulo de Tarso e os relatos de sua vida, das Epístolas e dos Atos dos Apóstolos. No caminho de Jerusalém a Damasco, com o objetivo de aprisionar os cristãos, ele teve uma visão de Jesus. Ficou cego e curado, três dias depois. Precisou cegar antes de enxergar a verdade. Uma metáfora.

Meu próximo destino naquele dia era almoçar no Passeio Público com Iana Soares, fotógrafa, artista da luz. Sob as árvores qualquer dia fica bonito, ainda mais com ela. Fazia parte do nosso encontro uma visita ao baobá, uma sessão de fotos, uma boa conversa sobre a vida.

Em algum momento Iana disse a palavra telúrico, o que vem da terra.

Pensei nos pés do apóstolo Paulo na estrada da transformação, nos tempos da vida em que as grandes mudanças estão prestes a acontecer, revolucionam tudo, cegam e perturbam até que chegue a clareza. Até que a alma veja o que precisa ser visto. Para algumas coisas a razão serve muito pouco. As respostas chegam de outros lugares.

Diante do baobá, recitei o poema de Raphael Barros Alves: Enterrei o amor/parecia nada/cresceu um baobá. Há mesmo algo de mágico nesta árvore, agora não ouso duvidar. Minutos depois recebi uma mensagem pelo celular, uma resposta que há tanto tempo esperava. As coisas podem mudar totalmente depois disso.

Não sei se foi o banho de luz dos vitrais, a música da igreja, a lição do apóstolo, a mágica da árvore sagrada. Da catedral ao baobá: tudo ficou claro. Estrada de Damasco. A vida é simples, feita de coisas mágicas. O que tem de acontecer arrebenta a terra e resiste a tudo.

Não adianta enterrar.

 

O que você achou desse conteúdo?