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O Holocausto na geração do Instagram
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O Holocausto na geração do Instagram

Perfil no Instagram transforma as páginas do diário de uma adolescente judia, Eva Heyman, em um percurso através do Holocausto - dos guetos às portas do campo de concentração
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Projeto gravou cenas em Auschwitz, recriando a atmosfera do Holocausto (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Projeto gravou cenas em Auschwitz, recriando a atmosfera do Holocausto

Na vida real, Eva Heyman era filha única de um casal judeu húngaro. Em sua página (fictícia) no Instagram, ela aparece fazendo selfies com suas melhores amigas e vídeos na escola antes de sofrer os horrores do genocídio judeu. Utilizando a ferramenta de stories da rede social, o perfil eva.stories aproxima uma plataforma de mídia social de entretenimento de uma tragédia que marcou todo o século XX. O projeto, lançado no último mês de abril, apresenta, em vídeos curtos, parte da história do Holocausto contada por uma garota judia que tinha 13 anos quando a Hungria foi invadida pelos nazistas.

Baseado na história real de Eva Heyman, uma moça judia que vive na Hungria, o perfil do Instagram reconstitui as vivências escritas em seu diário, como se ela tivesse um celular naquele período e pudesse gravar seu cotidiano, seguindo a ideia de funcionamento da rede social."Usamos as mídias sociais para criar um novo gênero de memória, e esperamos, dessa maneira, trazer os espectadores para perto da vida de Eva", justifica o idealizador do perfil, o israelense Mati Kochavi, em entrevista ao The New York Times.

Kochavi, executivo de tecnologia israelense e filho de sobreviventes do Holocausto, contou com a ajuda de sua filha, Maya, para a produção do perfil. Com a aprovação do centro memorial do Holocausto de Israel, as gravações foram realizadas na Ucrânia e envolveram o trabalho de uma equipe de cerca de 400 pessoas, além de um investimento de US$ 5 milhões para a produção dos 70 vídeos que compõem o perfil, filmados por três semanas.

Na primeira postagem do perfil, a câmera que filmava um carrinho de sorvete no parque se vira para um vídeo de selfie e conhecemos Eva. A jovem faz registros de um passeio na companhia dos amigos. No vídeo, ela relata que quer viver com os avós. "Os nazis conquistaram a maior parte da Europa e fazem coisas terríveis a nós...", expõe em um dos vídeos. Em seu diário virtual, Eva conta sobre soldados alemães, tanques, armas e protestos.

Composta por 70 episódios curtos, a conta do Instagram traz uma atriz britânica para fazer o papel de Eva que, com um celular nas mãos, conduz os seguidores em uma jornada pelo Holocausto: desde a tranquilidade de sua família na Hungria no período pré-guerra até a interrupção brusca causada pela invasão nazista em sua cidade natal. A família, então, é obrigada a trocar o conforto do lar pelo caos apertado do gueto; logo depois, a adentrar o trem lotado que os transporta para Auschwitz, o campo de extermínio nazista do qual eles nunca mais retornam. A conta do Instagram de Eva tem uma narrativa baseada em um diário mantido no ano de 1944 por uma jovem de mesmo nome: Eva Heymann.

Nascida na Hungria, em 1931, Eva vivia em Nagyvárad, cidade que tinha um quinto de sua população formada por judeus. Quando a Alemanha invadiu a Hungria, Eva vivia com seus avós, uma vez que seus pais haviam se divorciado e sua mãe se casado novamente. Ela começou a escrever seu diário em seu 13º aniversário, em fevereiro de 1944, e nele ela deixou registrado o sonho de se tornar uma fotógrafa de notícias. O diário tem o seu último registro no dia 30 de maio do mesmo ano - três dias depois, ela e os avós foram levados para o campo de extermínio de Auschwitz, onde foram mortos em outubro de 1944.

"Um registro visível, em vídeo, como se acontecesse no momento na época da Segunda Guerra, dá uma sensação de empatia maior pelo que foi esse momento histórico e obscuro", opina Gabriel Araruna, estudante de Direito, que acompanhou todos os vídeos de uma só vez. Antes de a conta fictícia do Instagram ser ativada, no último dia 17 de abril, o perfil já contava com mais de 200 mil seguidores.

Atualmente com 1,7 milhão de seguidores, o projeto passou a dividir opiniões direcionadas, sobretudo, à forma escolhida para contar a história do Holocausto - a tela de um celular. Em declaração feita para o jornal Haaretz, o professor israelense Yuval Mendelson afirma ser uma exibição de mau gosto. "O caminho entre eva.stories até selfies nos portões de Auschwitz-Birkenau é curto e, no final, essas pessoas vão se juntar ao coro sobre a juventude desconectada, sem valores e sem vergonha", argumenta Yuval em um artigo sobre o assunto. Para o estudante de psicologia Wallison Simplício, que esbarrou com o perfil depois de ver o stories de um colega, o projeto é uma nova forma de se ter acesso a este período histórico. "Os Stories são a nova forma de falar com o mundo, e a história vai continuar a ser contada sempre", afirma.

Fragmentos de uma mesma história

Um grande número de diários e cadernos escritos por crianças tornaram-se documento histórico de um dos momentos mais sombrios da humanidade. O testemunho de jovens que vivenciaram de perto os horrores do Holocausto permaneceram ocultos durante muito tempo e, quando revelados, mostraram ao mundo as inúmeras vidas que foram perdidas e deturpadas. Conheça quatro relatos de crianças que, assim como Eva Heyman, registraram suas experiências durante o Holocausto.

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