Logo O POVO+
Final de Game of Thrones: Eficiente, mas sem emoção
Vida & Arte

Final de Game of Thrones: Eficiente, mas sem emoção

| V&A Viu | Henrique Araújo comenta (como jornalista e fã) o episódio final de Game of Thrones. Série ficou no ar por 8 temporadas e levou milhões de pessoas de todo o mundo para a frente da TV nas noites de domingo
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Cenas de Game Of Thrones (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Cenas de Game Of Thrones

O encerramento de Game of Thrones confirmou expectativas alimentadas no curso da oitava temporada. Nem todas boas. A principal era se Daenerys Targaryen se tornaria a rainha louca depois de massacrar a população de Porto Real, a capital do império. Não houve tempo para descobrir.

Jon Snow cumpriu seu destino. Todos os Stark, bem ou mal, fizeram o que estava na cara que acabariam fazendo: Arya ganhou o mundo além de Westeros, Sansa tornou-se majestade do Norte e Jon...

Bom, Jon/Aegon priorizou o conjunto de valores éticos que são o esteio de seus passos desde o início da história. Entre o amor e a justiça, optou pela segunda. Isso diz muito sobre o filho torto de Ned, um deslocado que jamais pode decidir-se entre o poder e o sangue. Ygritte tinha razão: Jon nunca soube de nada.

A reviravolta é que Bran, o Corvo de Três Olhos, haja sido ungido como monarca dos sete reinos - agora seis, com a exclusão de Winterfell. É surpreendente? É. Emocionante? Eu não diria isso. É um fim eficiente, mas destituído de "pathos", ingrediente sempre farto nas crônicas de gelo e fogo, que terminaram como um folhetim das sete horas. Só faltou o casamento.

Trata-se de conclusão que vale para toda a última temporada, uma costura apenas satisfatória (sendo bondoso) para os quase oitenta capítulos de uma série que se estendeu por nove anos ao longo dos quais dezenas de personagens se mostraram dispostas a matar e a morrer no jogo do Trono de Ferro.

A maioria ficou pelo caminho. Algumas mortes foram dolorosas. Outras, inexplicáveis. Poucas saíram do roteiro.

Se achei ruim? Honestamente, o desenlace me desagradou. Acho que a reta final frustrou os fãs - não pelas respostas oferecidas pelo roteiro, parte delas até compreensível e justificável sob algum ponto de vista. Mas pela pressa na execução e o excesso de liberalidades no que diz respeito à trajetória de cada jogador ou jogadora.

Já disse que o cavalo de pau na trajetória de Dany é um ponto fragilíssimo da narrativa. Continuo achando. O sexto e último capítulo foi a pá de cal na ascensão e queda da "quebradora de correntes". Mal saída de uma conquista bélica da qual ainda não havia se recuperado, a khaleesi se desarma ante a proximidade de Jon, que se torna finalmente o que sempre condenara - um regicida.

A cena toda é bonita, carregada de tensão. Depois dela, o enredo é uma sucessão de atos e gestos sem tanta importância e até anticlimáticos. A morte da "mãe dos dragões" sela o destino de todos - de um modo geral, da série inteira.

Desde o início ficou claro que os roteiristas David Benioff e D. B. Weiss seguiriam por esse caminho. Parecia o mais certo a se fazer. E o acúmulo de "piscadelas" para o público nesses seis episódios foi suficiente para provar que os criadores de GoT concluiriam a narrativa consolidando a tese de que a libertadora de escravos se tornara uma tirana, mutação que encontra amparo aqui e ali no correr da série, mas cuja transição foi mal-sucedida. Daí o espanto e a decepção.

Nem todos se sentiram enganados com essa opção, todavia. Embora discorde, considero uma saída entre tantas possíveis. É a mais digna à luz da história? Tendo a achar que não.

GoT contrariou expectativas inúmeras vezes não por sua moralidade, mas pela amoralidade. Na série, a bondade era derrotada, a força sucumbia e a inteligência falhava. Os bons morriam quando erravam. Os maus sobreviviam se possuíssem tirocínio. Eventualmente dava-se o oposto, e o bem, esse arquétipo narrativo, também levava a melhor. Era como as coisas costumavam acontecer.

Em relação a outros produtos de fantasia (livros e filmes), isso conferia ao seriado uma qualidade rara: verossimilhança. Era o seu diferencial. As coisas se desenrolavam em Game of Thrones como se supunha que fossem num continente mágico situado nos anos medievos nos quais o brutalismo era a regra.

Com seus arranjos oportunistas e edulcorados e uma mensagem de proselitismo, o final da série, contudo, faz tábula rasa de sua principal marca: a exposição crua dos vícios humanos e a degradação que cerca qualquer disputa em torno do poder.

Nem mesmo a rajada de fogo de Drogon, o dragão sobrevivente, reduzindo o trono a ferro retorcido e depois a lava, salvou Game of Thrones de flertar com o novelão.

Se fizesse jus ao seu universo, Jon jamais teria saído vivo das mãos dos Imaculados depois de matar Daenerys. Um menino não teria sido escolhido para reinar em tempos de crise e necessidade de reconstrução a partir dos escombros. E os lordes dos sete reinos não teriam chegado a um consenso político com tamanha facilidade, apenas sob o impacto de um discurso bonito, mas implausível naquele contexto. Resta agora esperar que George R. R. Martin tenha algo melhor a dizer em seus livros que ainda estão por nascer.

Bastidores

No próximo domingo, 26, será lançado o documentário Game of Thrones: The Last Watch, que mostrará os bastidores da produção da série.

Veja no link: https://www.youtube.com/watch?v=vmFfvrhdlAM

O que você achou desse conteúdo?