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Mar de origem
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Mar de origem

Tropeçava nos astros distraída quando recebi o chamado das crônicas. Quem tem a escrita como ofício aprende a não temer desafios e modos diferentes de lidar com as palavras, e por isso aceitei. Até então, eu era uma jornalista não praticante. Um mês depois de formada, optei pelo mergulho no delírio da Literatura. Pois foi a crônica, este gênero híbrido, o barco perfeito para voltar ao mar de origem.

Ganhei de presente um lugar só meu nas páginas do jornal O POVO. Herdeira de uma tradição, honrei e respeitei os cronistas brasileiros que vieram antes de mim: Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Marina Colasanti, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Luis Fernando Verissimo, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Affonso Romano de Sant'Anna, dentre tantos outros. Pedi licença antes de pisar em solo sagrado e comecei.

Sem perceber, estabeleci duas regras de trabalho e conduta, uma dupla de leis que naturalmente se impôs. A primeira regra, para desespero dos meus editores, foi entregar as crônicas o mais perto possível do prazo final. Nunca escrevi estoque adiantado: seria uma traição aos antecessores, sempre apavorados nas suas máquinas de escrever. A crônica é filha do tempo e precisa do seu calor para ter alma. Produzi motivada pelos meus sentimentos de véspera, os bons e os ruins. Está tudo aí.

A outra regra foi a honestidade. Falei sempre o que penso e sinto, nunca longe disso, nunca apartada das minhas próprias verdades. A crônica é uma janela da alma, e isso está implícito nas possibilidades que esse gênero nos oferece. Os textos mais comentados e compartilhados da minha trajetória até aqui foram exatamente as crônicas sobre o frágil e falível espírito humano. Amar e sofrer é o que nos une.

Desatei os nós do amor, da dor, das ilusões e esperanças, com todos os seus desdobramentos. Pessoas e gatos nasceram e morreram nas minhas palavras. Muitas crônicas viraram cartas de boas-vindas, lamentos de despedida, quadros nas paredes, ode às casas e aos pássaros, declarações de amor e emocionadas homenagens. Muitas vezes escrevi chorando, e por isso fiz chorar. Outras foram um transbordar da mais legítima e contagiante felicidade.

Reunidas em um outro tipo de papel, coladas e costuradas, as crônicas agora mudam de estado. Convertem-se em família, confraria, pedaços da alma de um objeto sagrado. A alquimia aconteceu. Deslizará pelo mundo um livro sobre os felizes, escrito com a tinta da verdade por um coração que anda pela rua, invade as almas, mergulha profundo. Meu propósito na Terra é espalhar palavras.

 

Foto do Socorro Acioli

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