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Aprender a captar
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Aprender a captar

| Cultura| Fernanda Dearo, captadora de recursos que desenvolveu método próprio, fala sobre erros comuns, grandes projetos e os próximos passos para a Cultura
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FERNANDA DEARO, captadora de recursos há 25 anos no Brasil (Foto: FabioMoraes/DIVULGAÇÃO)
Foto: FabioMoraes/DIVULGAÇÃO FERNANDA DEARO, captadora de recursos há 25 anos no Brasil

Fernanda Dearo defende que "O futuro não existe. Está nas mãos de quem está a fim de fazer". Nome de referência na captação de recursos para projetos e famosa por ter criado um método próprio, ela estará em Fortaleza, amanhã, para participar da primeira edição do Seminário Cearense de Captação de Recursos para Produtoras Culturais, ONGs e Artistas - que será realizado no Museu da Fotografia. O evento ainda terá as participações da consultora Ívina Passos, da assessora de marketing Mônika Vieira e da assistente social Jailma Rodrigues. Na centralidade das discussões estará a captação de recursos para além dos incentivos fiscais. O POVO entrevistou Fernanda, por email, sobre os erros mais comuns da área e o futuro da cultura.

O POVO - Na sua avaliação, quais os erros mais comuns de quem elabora e de quem capta recursos na área?

Fernanda Dearo - Não ter material bom de apresentação do seu projeto; não ter um plano B caso não capte na primeira estratégia; não saber mensurar valores de retorno e contrapartida de cotas de patrocínio; bater de porta em porta sem planejamento e sem conhecer mercado; não conhecer o projeto profundamente para estar seguro numa apresentação; achar que pode elaborar um projeto temático sozinho; achar que vai captar recursos do dia para a noite; não ter um plano de execução do projeto com ameaças e previsões do que pode dar certo ou errado e quais as saídas.

O POVO - Vi uma frase atribuída a você que diz: "Por incrível que pareça, não falta dinheiro para patrocínios e bons projetos. Faltam projetos bem escritos, planejados, baseados em estatísticas de mercado". Na sua visão, o que é um bom projeto?

Fernanda Dearo - Um bom projeto é aquele que tem bom proponente experiente naquilo que pretende fazer o que ainda está no papel. E que tenha equipe multidisciplinar na sua elaboração garantindo a melhor metodologia e execução. Que tenha um cronograma realista e um orçamento honesto. Que tenha equipe especialista na execução e que ofereça contrapartida justa para quem investir.

O POVO - Você desenvolveu uma metodologia própria de captação de recursos. Poderia explicar como funciona esta metodologia?

Fernanda Dearo - A metodologia é simples e envolve os seguintes passos: avaliação do projeto para saber se está pronto para ir ao mercado e se o proponente está preparado para assumir sua execução caso capte o total ou somente parte dele; estudar mercado para ter uma noção se há dinheiro para isso ou interesse para isso; montar um plano de captação: estratégia, material de apresentação, discurso, margem de negociação, marcas que interessam, marcas ou organizações que não interessam, comunicação durante a captação; na execução, avaliar como a estratégia está se comportando para decidir como continuar; planejar fidelização e prestação de contas, refinanciamento e entrega a mais pro patrocinador.

O POVO - É possível desenvolver grandes projetos na área da cultura sem as leis de incentivo?

Fernanda Dearo - É possível sim! Para todo tipo de projeto. Mas é preciso ter dedicação e entender que captação de recursos é profissão e precisa de dedicação integral! Não é atividade extra.

O POVO - Em 25 anos de experiência, o que mais mudou nesse trabalho de captar recursos para projetos?

Fernanda Dearo - O nível de exigência dos patrocinadores. Principalmente no que diz respeito ao que é mais difícil de mensurar: impacto social - no que o dinheiro realmente se transformou e as entregas do projeto. O que permanece inalterado: não se capta do dia para a noite, e é preciso ter um profissional dedicado integralmente. Captar é atividade frequente.

O POVO - Você também desenvolve muitos projetos no exterior. Se comparado a outros mercados, em que situação está o Brasil em relação ao financiamento de bens culturais?

Fernanda Dearo - O Brasil está atrasado. Cultura é vista como luxo e os patrocinadores geralmente só enxergam a parte comercial, muito poucas empresas realmente tem a intenção de apoiar para fazer o bem pelo País. Mas há grandes e incríveis marcas que fazem o contrário.

O POVO - Que avaliação você faz das mudanças recentes na Lei Rouanet? Em que pontos elas foram positivas e em que pontos foram negativas?

Fernanda Dearo - Acredito que toda mudança que envolve além de você deva ser pesquisada e consultada com calma para que o impacto seja positivo e, realmente, cumpra a missão da mudança proposta. A grosso modo, mesmo cumprindo esse processo com cuidado, considero a maioria das mudanças positivas por dois fatores: comprovar para os dependentes de uma única fonte de recurso que é um risco alto depender mais que 30% da mesma fonte recurso; e forçar as empresas a apoiarem mais projetos e com isso beneficiar mais pessoas.

O POVO - Uma das críticas mais comuns que se fazia à Lei Rouanet era sobre a centralização dos recursos em projetos do Sudeste. Você acredita que as mudanças propostas pelo governo Bolsonaro vão diminuir ou resolver essa questão?

Fernanda Dearo - Nenhum governo de nenhum partido muda a forma como um povo pensa se ele tem cultura. De qualquer maneira, descentralizar sempre foi uma boa ideia.

O POVO - Quem mais se beneficiou com as mudanças na Rouanet?

Fernanda Dearo - Cedo para dizer. Mas olhando de uma forma otimista, mudanças fazem pensar, se preparar e se planejar melhor.

O POVO - Quais são as principais diretrizes ou caminhos para fazer do investimento em cultura um bom negócio no Brasil?

Fernanda Dearo - Primeiramente, um código de governança. Deixar interesses pessoais de lado, de todos os lados! E fazer acontecer pelo simples fato de ser bom para todos.

O POVO - O acesso a produtos culturais sempre foi um problema no Brasil. A parcela da população que lê, frequenta teatros, cinemas, museus ainda é bem pequena. De que forma é possível melhorar esses números?

Fernanda Dearo - Diminuindo a corrupção, o jeitinho brasileiro - não estou falando só de política, de todos! Os patrocinadores de IR já ganham bastante com seus serviços e produtos e só por ter lucro podem destinar parte do IR. Pra que mais dinheiro? O importante também é que as empresas tenham comitês de avaliação de projetos pelo seu real impacto social. Criar indicadores para isso é apoiar mediante avaliação profissional e não simplesmente porque me dá visibilidade. Dinheiro de imposto não é orçamento de marketing, é ação socio-cultural! Apoiar investindo recursos de forma mais eficiente em projetos que são fruto de pesquisa, que são multidisciplinares, envolver agentes culturais nos processos, ter curadorias honestas, e garantir que tenham contrapartida social de verdade!

O POVO - Acredito que o financiamento e a realização de produtos culturais estejam diretamente ligados à saúde econômica do País como um todo. Que diagnóstico você faz dessa área nos dias de hoje?

Fernanda Dearo - Vivemos num mundo em que o dinheiro manda na saúde de qualquer área ou bens. Infelizmente, sem dinheiro, a roda não gira bem para ninguém. Por outro lado, temos grandes filantropos mantendo muita coisa, se unindo para ajudar. Mas a proporção de quem muito ajuda é pequena para tantos que precisam. O ideal seria não depender, como eu disse antes, mais que 30% do mesmo parceiro, essa medida pode ajudar na perenidade dos bens culturais em época de crise.

O POVO - Levando em conta seus 25 anos de experiência e a atual situação política nacional, que futuro próximo você vislumbra para a cultura nacional?

Fernanda Dearo - O futuro não existe. Está nas mãos de quem está a fim de fazer. Concentrar energia num único projeto e fazer bem feito pode ser uma dica. Por um lado, é obrigação do governo apoiar. Por outro, depender só dele coloca em risco a missão de qualquer projeto sociocultural, não porque é o governo "X", mas porque é mais uma fonte de recurso.

Serviço

1º Seminário Cearense de Captação de Recursos para Produtoras Culturais, ONGs e Artistas

Quando: terça-feira, 21 de maio

Onde: Museu da Fotografia (Rua Frederico Borges, 545 - Varjota)

Horário: das 9h às 12h30

Ingressos: www.sympla.com.br

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