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O corpo para a câmera
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O corpo para a câmera

|Mostra de Cinema de Tiradentes|Curta cearense com abordagem autobiográfica sobre homossexualidade e solidão estreia nacionalmente no festival mineiro, que começa hoje
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O bando sagrado de Tebas foi um batalhão da história da Grécia, formado por guerreiros que tinham intimidades sexuais e amorosas entre si. Já O Bando Sagrado de Breno Baptista, realizador cearense, é um filme honesto e aberto que aborda questões como identidade, sexualidade e solidão. O curta terá estreia durante a 22ª Mostra de Tiradentes, que começa hoje na cidade histórica mineira. Além de O Bando Sagrado, outros quatro trabalhos cearenses passam pelo evento: Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno, Espavento, Currais (todos já temas de matérias no Vida&Arte) e Tremor Iê.

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A narrativa do curta de Breno se constrói a partir da utilização de imagens de um filme pornográfico, Conquered (2001), entremeadas com vivências sexuais vividas pelo próprio realizador. Uma narração em off gravada por ele, em formato de áudio confessional no WhatsApp para uma amiga, funciona como dispositivo de ligação entre as partes da obra. Nessa fala, o personagem-realizador conta de um sonho recorrente e reflete sobre as próprias experiências afetivas e sexuais. A abordagem dá continuação à pesquisa autobiográfica na obra de Breno.

 

"Eu falo sobre as coisas que falo porque no fim das contas falar é muito minha forma de tentar entendê-las", começa o diretor. "Meus processos de escrita são onde eu vomito as minhas inquietações e tento olhar pra elas com alguma frontalidade, em uma vontade muito grande de colocar essas angústias em questão. E aí eu percebo que meus processos criativos são também meus processos de cura, de expurgo, portanto é impossível pra mim fugir dessa abertura autobiográfica em qualquer projeto que seja. Em alguma medida, eu sempre sou os filmes que eu faço, sendo personagem deles ou não", aprofunda.

 

Em O Bando Sagrado, chama atenção a convivência entre a solidão do personagem-realizador e a voracidade das suas experiências sexuais - consumo de pornografia, vídeos amadores, encontros sexuais com michês. 

 

Breno explica que a ideia do curta veio de uma pesquisa sobre a "auto-representação diante do desejo e da solidão, tentando entender esse gesto de construir um corpo para a câmera e para o universo pornográfico como quem constrói uma espécie de armadura".

 

O realizador argumenta que o excesso é essencial para a pornografia e, a partir disso, "existe algo de pornográfico também em um áudio confessional de dez minutos, tanto quanto em um filme erótico dos anos 2000", considera. 

 

"Talvez O Bando Sagrado seja uma tentativa de aproximar a imagem de um rosto que goza e a imagem um rosto que chora até não conseguir saber mais a diferença", estabelece Breno.

 

A filmografia do realizador é construída, em sua maioria, a partir de curtas-metragens - na mesma Mostra de Tiradentes, Breno apresentou o longa coletivo O Animal Sonhado, co-dirigido com Ticiana Augusto Lima, Luciana Vieira, Victor Costa Lopes, Rodrigo Fernandes e Samuel Brasileiro -, formato que encontra desafios constantes na cadeia do audiovisual, em especial relacionados à distribuição. "A gente precisa entender que curtas-metragens não são pequenos exercícios cinematográficos, e sim filmes por si só. O que caracteriza o cinema não é duração, é a linguagem e tudo o que a gente pode tentar fazer com ela", defende Breno. "Quando eu penso em mais maneiras para que estes filmes sejam vistos, me volta o quanto um curta e um longa podem ter sua experiência potencializada quando são distribuídos e exibidos juntos, por exemplo", sugere.

 

Mostra começa hoje

 

A 22ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes segue até o próximo dia 26 e terá um cobertura especial do Vida&Arte; no impresso, no O POVO Online e nas redes sociais. O evento é um dos principais festivais de cinema do País e, neste ano, tem como tema "Corpos Adiante". A Mostra também prestará homenagem à atriz Grace Passô. A 22ª edição receberá 108 filmes brasileiros de 14 estados, exibidos gratuitamente.

 

Competem neste ano na Mostra Aurora, a principal do evento, sete longas: o cearense Tremor Iê, A Rainha Nzinga Chegou, A Rosa Azul de Novalis, Desvio, Seus Ossos e Seus Olhos, Um Filme de Verão e Vermelha.

 

Já foram premiados em edições passadas filmes como o cearense Estrada para Ythaca, em 2010; A Vizinhança do Tigre, em 2014; e Baronesa, em 2017.

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