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"Meu ideal seria escrever?"
Vida & Arte

"Meu ideal seria escrever?"

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Mesmo que o cronista Rubem Braga tenha falecido ainda no começo da história do Vida&Arte - o caderno nasceu em janeiro de 1989 e já em 19 de novembro de 1990 o autor morreria por insuficiência respiratória decorrente de um câncer de laringe -, as letras do capixaba reverberaram constantemente ao longo dos 30 anos do V&A. Hoje, data em que o escritor completaria 106 anos, lembramos algumas de suas mais marcantes passagens por aqui.

 

A morte de Braga, aos 77 anos, foi registrada em 21 de dezembro daquele 1990 nas páginas do caderno. O texto de Márcia Gurgel apontava que o autor tinha resgatado "a dignidade literária" para a crônica. "Rubem Braga entrou para a literatura exclusivamente como cronista, 'fato singular na história literária brasileira', como observa o crítico Afrânio Courinho. Foi, no entender de muitos, o responsável pela elevação da crônica à condição de gênero literário", escreveu a jornalista. "Nenhum outro cronista foi mais original do que ele, em sua linguagem singela, coloquial, intimista e poética. Sabia com perfeição entrelaçar o jornalismo com a poesia", aprofundou.

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Já o articulista do Vida&Arte, Manoel Ricardo de Lima, na edição de 22 de maio de 2000, no ano que marcou uma década da morte de Braga, defendia que o papel do escritor para a crônica foi outro. "Foi Machado de Assis, muito provavelmente, quem transformou a crônica em gênero literário (...) Braga foi mais longe: destruiu a crônica como gênero, misturou-a a outras coisas, dilui-a, e de alguns cacos da vida rotineira e cotidiana, com aparente indiferença, escreveu histórias que embalam a alma, que denotam não imaginar". A ideia do "não imaginar" vem do próprio capixaba, que, talvez por modéstia, se definiu certa feita como "antificcionista" por escrever sobre o que via, fatos e coisas concretas. "Eu não tenho imaginação. Por isso não escrevo romances".

 

Braga iniciou a carreira no jornalismo, tendo atuado ainda como editor, correspondente de guerra e diplomata. Inicialmente influenciado na crônica por nomes como Manuel Bandeira e João do Rio, encontrou a marca autoral em produções bastante pessoais e reflexivas, ainda que longe de quaisquer rebuscamentos na forma. O célebre contista cearense Moreira Campos, em texto publicado no V&A de 07 de fevereiro de 1993, contava do livro que havia recém lido, uma antologia de contos de 10 autores capixabas, em sua maioria responsáveis por "obras medíocres", "confusas, sem nexo e ainda com a  pretensão de inovações que não alcançam". A exceção era Rubem Braga. 

 

"Não por se tratar desse autor, mas porque, em verdade, é a única, pelo menos, de equilíbrio, com ordenação lógica". Moreira ainda refletiu: "Aliás, nem sei se ao trabalho de Rubem Braga deva chamar de conto, senão de crônica, embora pelos dias que correm seja difícil distinguir o conto simplesmente atmosfera da crônica poética, gênero este último em que o autor foi mestre".

 

Em homenagem ao que seria o centenário de Braga, em 12 de janeiro de 2013, o Vida&Arte dedicou a ele um caderno especial no dia seguinte. Nele, foram resgatados momentos da vida do escritor, falas que proferiu na ocasião de uma visita a Fortaleza em 1960 e registradas pelo O POVO, memórias da família em entrevistas exclusivas com a irmã e um sobrinho de Braga, uma crônica escrita pelo capixaba um ano antes de sua morte e ainda textos de convidadas. Entre elas, a pesquisadora e doutora Ana Karla Dubiela que lembrou da reverência de autores como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Cecília Meireles à obra de Braga, e a jornalista Ethel de Paula, que defendeu que "devemos comemorar o aniversário do Rubem com as boas coisas da vida, com os pequenos acontecimentos banais e extraordinários, com o que há de sublime no precário".

 

Em crônica publicada originalmente em 1957 e da qual pegamos emprestado o título desta matéria, Braga refletia sobre o ideal de seu escrever. O desejo do escritor era de que suas histórias fossem "como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo" na vida da moça "reclusa, enlutada, doente" ou ainda uma forma de reencontrar "a alegria perdida de estarem juntos" para o casal "mal-humorado", por exemplo. "E quando todos me perguntassem - 'mas de onde é que você tirou essa história?' - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua de um desconhecido que a contava a outra desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: 'Ontem ouvi um sujeito contar uma história...'."

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