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Uma redescoberta do Cangaço
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Uma redescoberta do Cangaço

| V&A leu | Em Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço o banditismo rural é recontado a partir de uma perspectiva feminina
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Narrar a história do Cangaço a partir da perspectiva das mulheres é a proposta da jornalista Adriana Negreiros no livro Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Editora Objetiva). Se os registros históricos privilegiaram os relatos e as reconstruções das vivências de Lampião e seus asseclas, e por isso puseram as mulheres em segundo plano, essa obra preenche essa lacuna e mostra o cangaço pelas lentes de Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, que depois de morta seria conhecida como Maria Bonita.

 

A jornalista, que tem em Maria Bonita o seu livro de estreia, nem por um momento flerta com o amadorismo e com notada competência reconstrói o universo do banditismo rural que tomou conta dos sertões nordestinos no início do século XX. O livro inicia-se com a trajetória da transgressora Maria, que aos quinze anos largou um casamento infeliz com um marido ausente, adúltero e pouco viril para seguir o bando de Lampião. Mas não se limita a ela. A narrativa abre espaço para outras mulheres que integraram a trupe de Lampião e que, diferente de Maria Bonita, entraram no bando contra a própria vontade.

 

A autora narra, com admirável riqueza de detalhes, que a presença das mulheres no cangaço representava a quebra dos padrões sociais da época, mas também uma estrutura de opressão feminina. Para ingressar na vida nômade e errante do cangaço mulheres como Sila, Rosinha e Dadá foram arrancadas de suas infâncias, estupradas pelos ditos maridos e sujeitas a um código de conduta que naturalizava o adultério e a violência masculinas enquanto objetificava e punia as mulheres errantes inclusive com a morte.

 

O livro remonta a estrutura de opressão do cangaço e lança luz a uma realidade onde as mulheres eram extremamente vulneráveis dentro de um contexto que as impunha fugas, negação de vontades e nenhum conforto. A autora não se furta de contar as atrocidades a que eram submetidas as cangaceiras - estupros, feminicídios, partos em condições insalubres e separação dos filhos recém nascidos. Mas também remonta uma estrutura em que elas reproduziam o machismo sofrido e não se viam como companheiras, muitas vezes colocando-se contra e antipatizando umas às outras.

 

Outra preocupação da autora é desconstruir os mitos que circundam os personagens do cangaço. Maria Bonita, por exemplo, não era necessariamente um exemplo de mulher dentro dos padrões de beleza, mas chamava atenção pelas belas pernas. Também as mulheres não eram guerrilheiras e assassinas, elas sequer atiravam. E havia, apesar das condições adversas, uma preocupação com a aparência. A higiene feminina era prioridade e elas vestiam-se com esmero, arrumavam os cabelos e traziam nos dedos uma imensa quantidade de anéis, além dos colares a adornar-lhes o pescoço.

 

O trunfo da obra é trazer o universo feminino do cangaço sem romantismos ou julgamentos. A autora narra fatos tomados por barbaridade e violência, conta das disputas femininas, das invejas, dos sofrimentos e, desta forma, constrói um livro profundamente atual com os debates contemporâneos que têm na mulher o foco principal. Adriana Negreiros mostra o empoderamento de Maria Bonita, que subverteu regras e expectativas sociais, mas também escancara uma realidade de subserviência feminina e cruel dominação masculina. O debate é relevante por trazer uma reflexão do panorama de mudanças sociais que as mulheres conquistaram nesse contexto, mas também por lançar luz a uma estrutura de silenciamento e censura a que muitas ainda estão submetidas nos dias atuais.

 

Com um texto esmerado e imensamente fluido, a jornalista Adriana Negreiros dá ares de romance ficcional a um trabalho competente de reportagem. A reconstrução das histórias é respaldada por uma vasta gama documental, além de entrevistas com personagens ligados ao cangaço, o que torna rica e prazerosa a experiência de leitura de Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço.

 

Maria Bonita - Sexo,Violência e Mulheres no Cangaço
De Adriana Negreiros
Editora Objetiva
Biografia
296 páginas
Quanto: R$ 49,90

 

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