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Toda periferia é centro
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Toda periferia é centro

| aniversário| Sarau da B1, realizado no Jangurussu, completa três anos com lançamento de documentário e expectativa de futuro longo para os poetas da Cidade
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Um dos poetas mais lúcidos desta Cidade, Baticum, escreveu em pedra a frase que é repetida por centenas de escritores: toda periferia é centro. Distante dos grandes equipamentos culturais e dos bairros nobres, há pessoas que subvertem as lógicas de quem deve estar sob os holofotes e de quem sabe fazer literatura. Toda periferia, afinal, é um lugar onde pulsa arte, comércio, produção e talento. Provando desde sempre que toda periferia é centro, o Sarau da B1, realizado no Jangurussu, completou três anos de existência. 

[SAIBAMAIS]

Talvez o evento até seja pouco conhecido nas áreas nobres e nos circuitos engravatados. Mas, na periferia que se veste de centro, o Sarau da B1 é uma das mais relevantes movimentações culturais. Com microfone aberto e equipamentos de som emprestados, os poetas se colocam mensalmente na "pracinha" da Avenida Bulevar I. Como explica Jardson Remido, poeta marginal, o sarau é um movimento de transformação - "o sentimento individual se torna coletivo quando estamos recitando", explica. Jardson é uma das dezenas de pessoas que utilizam o Sarau da B1 como palco para escoar sua produção literária. Nos encontros estão moradores do Jangurussu e de bairros vizinhos, crianças e idosos, poetas oriundos de outros territórios.

 

Para celebrar a marca de três anos, a escritora Nina Rizzi, agitadora do sarau, e o Poeta Samuel encabeçaram a criação do documentário A Poesia Em Transe - que narra o percurso dos três anos de história do evento. Samuel, um dos agitadores e organizadores do sarau, explica que toda a mobilização é feita com recursos próprios dos escritores e dos moradores. Do Boteco do Beto, que fica em frente a pracinha, é "puxada" a energia elétrica para o equipamento de som; microfones e outros utensílios são emprestados por amigos; as impressões de livros e de fanzines são viabilizadas através de doações dos frequentadores. E assim, de edição em edição e de verso em verso, o Sarau da B1 chegou até aqui. "A juventude está se organizando e fazendo. Ninguém quer esperar por governo, edital e picuinha. Fazendo de forma simples dá certo, sim", explica o artista, lembrando uma frase do cantor paulista Criolo: "o dinheiro vem para confundir o amor".

 

Rômulo Silva, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), acredita que os saraus reinventam a Cidade e traçam uma nova narrativa para existências que são historicamente silenciadas. O próprio conceito de "microfone aberto", ele diz, é um dado interessante quando se analisa as possibilidades de falar e ser ouvido. "Não precisa de inscrição, de protocolo, de regras para falar. E não necessariamente está preso a um gênero literário", explica. Em Fortaleza, além do Jangurussu, há diversos bairros que abrigam movimentações semelhantes: Conjunto Ceará, Conjunto Palmeiras, Santa Filomena, Antônio Bezerra, São Cristovão e Monte Castelo.

 

O pesquisador também reflete sobre a relação dos saraus com o incentivo a leitura. Segundo ele, historicamente a oralidade sempre perpassou os territórios com menos recursos financeiros. Mas, em Fortaleza, os atuais criadores e difusores dos saraus tentam aliar os eventos com bibliotecas comunitárias e outros projetos de incentivo à leitura. "Há uma juventude que está lendo e procurando se apropriar dos livros", sintetiza Rômulo. Jardson descobriu primeiro o rap e depois o poder transformador da poesia. "Cada palavra nova que eu aprendia tentava aplicar na realidade e exercitar o vocabulário. Me atentei a cada palavra para que gerasse ação e fruto, guardando para tentar transformar. Eu comecei a escrever e foi gerando", pontua o poeta marginal. O Sarau da B1, para ele, é um organismo vivo e quem por lá passa se torna um multiplicador. Sem emprego formal, Jardson circula nos ônibus de Fortaleza todos os dias recitando textos. "As pessoas vão colaborando", comemora.

 

O poeta Aglailson D'Almeida vislumbra um futuro longo e próspero não apenas para o Sarau da B1, mas também para as mobilizações semelhantes que acontecem em tantos bairros da Capital. Ele lembra que, há três anos, encontrou no sarau uma forma de escoar sua intensa produção literária. "Nós sabíamos que existiam outras pessoas que escreviam e não tinham onde mostrar, e abriu-se esse espaço para a comunidade", aponta. Jesuana Prado compartilha do mesmo pensamento de que o Sarau da B1 terá uma vida pulsante e longa. "Toda periferia é um centro porque tudo é centro quando não há margens que oprimem", explica a escritora que é uma das mais assíduas na Avenida Boulevard I.

 

A Poesia Em Transe

 

Para assistir ao documentário sobre os três anos do Sarau da B1:

https://www.youtube.com/watch?v=Iz2FjDiOlqs&t=1314s

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