Logo O POVO+
Sob o olhar do cronista
Vida & Arte

Sob o olhar do cronista

| ROSTOS DA CIDADE | Esquadrinhador de Fortaleza e amante da vida boêmia, o cronista Airton Monte deixou a marca bem humorada de sua prosa cotidiana nas páginas do Vida&Arte
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
NULL (Foto: )
Foto: NULL

[FOTO1] 

Airton Monte viveu a vida como quem deleita um fim de tarde. Descobriu-se um escritor da Cidade, conhecedor das coisas miúdas, da vida boêmia. Na escrita despretensiosa, transborda saudade de uma Fortaleza que poucos conheceram. "Uma ideia, um fato, uma imagem, um estalo de juízo e pronto", eis a fórmula com a qual o escritor brincava com as palavras.

"Ele era muito certeiro em captar as cenas da vida em Fortaleza. Muito perceptivo, fez-se um autêntico esquadrinhador do ambiente urbano, capaz de conhecer cada metro do Benfica, bairro que o viu nascer", lembra Regina Ribeiro, editora do Vida&Arte entre 2004 e 2009 e atualmente editora-executiva da Editora Dummar.

Sem muita preocupação com prêmios e títulos, ele gostava mesmo era da companhia dos amigos e de viver a Cidade - principalmente a Praia de Iracema. O Estoril, por exemplo, foi um espaço marcante para toda a sua geração. Por lá, andava com Rogaciano Leite Filho, com quem dividiu muitos "porres homéricos". O escritor Pedro Salgueiro, embora não tenha partilhado com Airton tantas mesas de bar assim, recorda o bom humor do cronista, cujo "riso fácil era como aquele de quem gozava do mundo e mangava de todos", brinca.

O psiquiatra-cronista fez do humor um estilo de linguagem próprio. Livros, amigos, pensamentos, diálogos com estranhos, tudo podia se tornar matéria de sua crônica - pouco ou quase nada escapava ileso à tão conhecida gaiatice de Airton. "Ele assinava seus escritos, mas o fazia por pura convenção. Não há quem não lhe reconheça a janela em que, de vez em quando, ele contemplava as nossas dores, as nossas alegrias e os fragmentos que o cotidiano nos oferece", pontua Carlos Augusto Viana, escritor e amigo.

Airton recorda uma Fortaleza que poucos conhecem, lamenta a infrutífera realidade que o cerca e ganha formas desconhecidas. Sua crônica é, de fato, é uma conversa franca com o leitor, no qual se desnuda por inteiro diante do papel em branco. Na página, ele faz caber todo o mundo e a imensidão de si mesmo - fala de medos, alegrias e inquietações. Era, de fato, um "cronista íntimo", como costumava dizer. Em 19 anos como colunista diário do Vida&Arte, publicava, por ano, mais de 250 crônicas, deixando leitores saudosos quando chegava o tempo de suas férias.

Frequentador assíduo do Flórida Bar, no Centro, Airton também percorria o Ideal Clube, onde saboreava a tradicional "feijoadinha" aos sábados. "Airton era muito bom no improviso, capaz de resolver quase tudo na base da molecagem", lembra o escritor Raymundo Netto. Da convivência com o Airton, Raymundo assistiu às "arengas" entre os amigos do icônico Clube do Bode (agremiação intelectual e boêmia de Fortaleza). "Era um ambiente de muita pilhéria, onde se começava a falar de política e depois aparecia a literatura, mas tudo sempre acabava em piada".

Escrevendo com simplicidade e desenhando personagens muito humanos, Airton publicou seis livros. O Grande pânico, o primeiro, veio em 1979. Também escreveu Homem não chora, Alba Sanguínea e Memória de botequim. Em 2015, três anos após sua morte, a Editora Demócrito Rocha publicou uma coletânea de crônicas, intitulada A primeira esquina". Quando queria se perder de vista, andava pela sua cidade com olhos de turista.
 

O que você achou desse conteúdo?