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Entre o sonho e o som
Vida & Arte

Entre o sonho e o som

| MEMÓRIA BOÊMIA | Criado há 10 anos como um espaço multicultural, o Acervo Imaginário foi um dos endereços de Fortaleza que atraíram fãs de arte e festa, mas que foi engolido pelas mudanças da Cidade. O Vida&Arte acompanhou essa cena e conta, a seguir, algumas histórias
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Vânia Vieira, bancária e comerciante de imóveis. Napoleão Caldas, dentista e músico nas raras horas vagas entre turnos no consultório. Nas mãos, ao longo de seis anos, eles tinham a gestão de um consagrado espaço de música alternativa e independente em Fortaleza: o Acervo Imaginário Bar Cultural. Fechada desde 2014, a casa de show completaria dez anos de funcionamento neste mês de novembro e sua história retrata a complexa relação do público da Capital não só com o consumo de arte, mas também com a construção da memória de uma localidade.

 

O Acervo Imaginário começou a funcionar em 8 de novembro de 2008 depois de Napoleão "perturbar, perturbar" a vizinha Vânia para abrir um bar. "Até que um dia eu disse: tá bom, vai atrás de um lugar que a gente abre esse bar!", ri-se Vânia ao lembrar. Foi assim que o Acervo Imaginário nasceu, na fronteira entre Centro e Praia de Iracema, ao número 226 da rua José Avelino.

 

Com Sancho Pança - fiel escudeiro do personagem literário Dom Quixote - na logo da casa, o Acervo desde cedo disse ao que veio: brincar com a fantasia e promover arte autoral. O bar, nesse intuito, manteve-se fiel ao seu público do começo ao fim. "A nossa ideia para o Acervo era trabalhar todas essas linguagens, não só a música. A gente queria as demais linguagens como teatro, sarau, danças... No começo era assim, inclusive teve um projeto do Ricardo Kelmer, que a gente fez toda quinta-feira ao longo de 2009, chamado Bordel Poesia. O Acervo era uma casa nova que tinha o hábito de pegar artistas que estavam começando, como Seu Chico, Curumin, Wado. Um grande exemplo são Os Transacionais. Nós crescemos e fizemos história juntos", relembra Vânia.

 

"Tudo começa meio na loucura", conta Napoleão. "O Domínio Público fechou e a gente ficou órfão de um lugar que curtia. Na época da abertura do Acervo Imaginário, a gente distribuiu cerca de duas mil cortesias - a capacidade era de 600 pessoas e acho que foram umas 800 para a inauguração! Mas a gente não tava botando aquilo ali pra lotar. A gente queria fazer algo que acreditava. É claro que a gente tomou um prejuízo da peste e acontecia de esvaziar os bolsos pra pagar".

 

Em 2012, o declínio começou. Com a ascensão da tão falada feira da José Avelino, a rua ficou completamente tomada por ambulantes, ônibus e carros. Era impossível estacionar. Vânia e Napoleão entregaram o ponto - que hoje, curiosamente, abriga um local de vendas chamado Acervo Modas. Eles se mudaram ainda para perto, ocupando um galpão no número 194 da Av. Pessoa Anta. Mas a crise econômica, a ausência de estímulos públicos e a mudança gradativa dos frequentadores levaram ao fechamento do Acervo Imaginário em 2014.

 

"Desses dez anos passados, presentes/ Vividos entre o sonho e o som", como cantou Belchior, o Acervo Imaginário deixou saudades. Vocalista e baixista da banda Os Transacionais, Jolson Ximenes lamenta a efemeridade também de locais como o Hey Ho, o Domínio Público e o The Wall. "O Acervo traz muitas memórias para a banda e representa um alicerce muito forte pra gente. Muita gente conseguiu nos conhecer, a gente conseguiu circular ainda mais, e nos motivou a preparar um material novo todo mês. Foram seis anos tocando lá. É muito difícil ver esses espaços fechando e as pessoas nem atentam a isso, acham que já tá na hora de fechar mesmo. É como estar regando uma árvore e ela morrer. Quando ela morre, leva folha e frutos juntos, mexe com ecossistema, com o clima, com tudo", compara. Para o artista, outro fator decisivo no fim desses espaços é o modismo. "Essa coisa de locais acabarem é meio natural do Ceará. A gente ainda é muito influenciado pela moda: de repente, o público troca o que está fazendo por algo novo".

 

Manter esses espaços ativos, gerando trocas culturais e lucro ainda é um desafio. Vânia acredita que só parceria público-privada ou incentivos fiscais possam ajudar, mesmo sem ter certeza sobre o futuro de espaços de arte em Fortaleza. "Mas valeu a pena, valeu a pena demais", encerra a produtora cultural. "Musicalmente, a gente deu uma grande contribuição para a Cidade". Napoleão vai mais longe e promete: "A gente mantém a chama acesa. Nós temos a intenção de fazer uma festa no futuro e tentar rememorar o Acervo. Quem sabe não acontece já em 2019?"

 

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