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Entre o céu e a terra
Vida & Arte

Entre o céu e a terra

| Retrospectiva | Fortificada por produtos como a novela A Viagem (1994) e o filme Bezerra de Menezes - O Diário de Um Espírito (2008), "onda" de obras espiritualistas é marco na cultura brasileira
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Em 1994, com a exibição da refilmagem da novela A Viagem, o Vida&Arte avisava: "Embora revestido de fantasia, o espiritismo também chega aos meios de comunicação de massa, que estão investindo tudo neste novo filão". Veiculada no horário das 19 horas, a obra de Ivani Ribeiro chamou a atenção do público numa trama com elementos sobrenaturais, drama e romance, chegando a somar "56 pontos ao horário somente na primeira semana de exibição", como registrou o caderno. De lá para cá, a "onda" espírita ou espiritualista em produtos culturais seguiu consistente nas telenovelas, na literatura e alcançou o cinema - no qual o marco inicial de popularização foi o cearense Bezerra de Menezes - O Diário de Um Espírito, que completou 10 anos em 2018.

 

Como explica o jornalista e colunista de televisão Tony Góes, o início da abordagem espiritual nas novelas se deu, na verdade, com a versão original de A Viagem, exibida em 1975 pela TV Tupi. Escrita também por Ivani Ribeiro, a novela teve inspiração em textos do célebre médium Chico Xavier. "(A obra) fez bastante sucesso, batendo várias vezes a Globo no horário mais competitivo: a faixa das 20 horas. Dois anos depois, Ivani continuou com os temas sobrenaturais em O Profeta", relembra Tony. Já o remake de A Viagem, na Globo, foi "a primeira 'novela espírita'" da emissora. "Não é exatamente um divisor de águas, porque não inovava em nada: apenas trazia para a trama central de uma produção da emissora a temática do além", avalia o jornalista.

 

Bastou, no entanto, o passo de trazer o espiritismo ao centro da narrativa para a emissora encontrar repercussão positiva e audiência. "Apesar do tremendo sucesso de A Viagem às 19 horas, a Globo relegou as novelas espíritas à faixa das 18 horas, que tem menos prestígio e audiência. Não digo que elas sejam um nicho, pois seus números no Ibope costumam ser altos", categoriza Tony. Entre os sucessos que abordaram o tema na "faixa das seis", estão novelas como Alma Gêmea (2004), O Profeta (2006) e Escrito nas Estrelas (2010). A emissora exibe atualmente Espelho da Vida.

 

No Ceará, a abordagem encontrou espaço cativo no teatro e no cinema a partir da atuação da Associação Estação da Luz, instituição comumente ligada à temática espírita, mas que se coloca como "espiritualista". "A Estação da Luz e a Estação Luz Filmes (produtora audiovisual) não são instituições espíritas. Somos abertos a todas as religiões e desenvolvemos temáticas espiritualistas", explica Sidney Girão, presidente da Associação. "Em 2003, começamos um evento chamado Mostra de Teatro Transcendental, que reúne peças nacionais premiadas e que trazem mensagem sensibilizadora", contextualiza. Mesmo com o sucesso da mostra, havia uma limitação de público por questões estruturais. "Por mais lotado que o teatro esteja, só o público ali vai assistir. Resolvemos seguir para o cinema, porque acaba atingindo outro público", avança Sidney.

 

Criada em 2007, a Estação Luz Filmes estreou nas telas com o longa cearense Bezerra de Menezes - O Diário de Um Espírito (2008), dirigido por Glauber Filho e Joe Pimentel. "Caiu no nosso colo a ideia de fazer um filme sobre o doutor Bezerra de Menezes, um cearense extremamente humanista e também espírita. Nosso projeto era contar essa história para que as pessoas saíssem do filme com uma reflexão de desapego material", explica Sidney. Glauber conta que, na época, a produção foi uma aposta. "Nós tínhamos chegado a uma proposta que tivesse um lugar no cinema nacional e que de fato poderia inaugurar essa linha de filmes espiritualistas e espíritas. Montamos uma estratégia e coincidiu da Fox Filmes já ter recebido o projeto do Nosso Lar (longa baseado na obra homônima de Chico Xavier, de 2010). Ela estava receosa se investia ou não, então o Bezerra chegou como uma produção já em andamento e a Fox viu a oportunidade de sentir esse novo mercado, apoiando o filme", afirma o cineasta.

 

O longa se revelou um grande sucesso do cinema nacional naquele ano. Como destacou o Vida&Arte na ocasião, o público do filme somava 133 mil espectadores e o número de salas havia aumentado de 44 para 52 no segundo fim de semana em cartaz. Levantamento do Observatório Brasileiro do Cinema e Audiovisual aponta que, dos filmes nacionais lançados entre 1995 e 2007, o longa cearense arrecadou aproximadamente R$3,5 milhões e teve público de mais de 440 mil pessoas. "De lá para cá, as portas se abriram e a gente produziu e co-produziu mais 11 filmes", informa Sidney. A produtora está ainda trabalhando em outros dois títulos temáticos: a comédia Bate Coração e a biografia do médium Divaldo Franco, que devem estrear em 2019, além de Sexo e Destino, em fase de roteirização.

 

A repercussão e o sucesso de filmes, novelas e eventos que se aproximam dessa temática, no entanto, não se dá exatamente por crença - segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais recente pesquisa do tipo, o número de espíritas declarados é de 3,8 milhões, um total de 2% da população. "Sabe-se que esses filmes não chamam somente a atenção de espíritas, (mas) de pessoas ligadas a outras religiosidades e até mesmo não ligadas. A temática faz parte do sincretismo e da multiculturalidade do Brasil. A possibilidade de filmes que buscam um universo transcendente ter uma aceitação maior do público faz parte dessa formação cultural", avalia Glauber. "O brasileiro é um povo religioso, místico e supersticioso. Não é uma novela de TV que vai fazer com que ela sinta estar traindo sua 'outra' religião", defende Tony. Para Sidney, o apelo das produções passa pelas "histórias edificantes". "A gente tem muito a agradecer à doutrina espírita por nos apoiar no desenvolvimento desses projetos. É um celeiro de oportunidades para contar histórias boas que não especificamente só espíritas gostam, porque é a linguagem do amor", resume o produtor.

 

Outras obras sobre o tema

 

Chico Xavier (2010)

Biografia do médium Chico Xavier, teve coprodução da Estação Luz Filmes. A obra fez mais de 3,4 milhões de espectadores.

 

Nosso Lar (2010)

Baseado em livro psicografado por Chico Xavier, conseguiu público de mais de 4 milhões de pessoas.

 

A CURA (2010)

Escrita por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, a série da Globo fala de um jovem médico com dons mediúnicos.

 

ALÉM DO TEMPO (2015)

Com os mesmos atores vivendo diferentes personagens, novela trata de reencarnação.

 

 

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