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Um novo navegar
Vida & Arte

Um novo navegar

| Retrospectiva | Desde seus primeiros anos, o Vida&Arte acompanha as idas e vindas de artistas cearenses Brasil afora. A seguir, eles contam o que os leva e o que os traz de volta para seu estado natal
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Por muito tempo, a noção de "êxodo" povoou o imaginário que se tinha não apenas do cearense, mas do nordestino. Essa noção teve lugar, inclusive, na arte e seus movimentos. Há exatos 25 anos, o repórter Adriano de Lavôr apontava nas páginas do Vida&Arte; que grande parte dos artistas cearenses da época tinha "o palco mais confortável, o público mais acolhedor e as propostas mais tentadoras (...) no caminho que parte do aeroporto Pinto Martins". A pauta da ocasião, no entanto, se debruçava sobre aqueles artistas que, "por opção, decidiram instalar seu talento sob o calor do sol cearense, e sob os olhos dos conterrâneos". Eram o dramaturgo Eduardo Campos (1923-2007), o cronista Moreira Campos (1914-1994), o estilista Lino Villaventura - paraense de nascença, mas adotado pelo Ceará -, o ator e diretor Ricardo Guilherme e os fundadores da Comédia Cearense Haroldo e Hiramisa Serra. Eram então chamados pelo repórter de "navegadores" que "remavam contra a maré". Agora, o Vida&Arte; atualiza a discussão com alguns deles e ainda com novos agentes da cultura cearense, para mostrar como ir, ficar, ir e vir e voltar compõem diferentes possibilidades de navegar.

[SAIBAMAIS] 

Recebendo O POVO em seu apartamento, o ator e diretor Haroldo Serra, aos 83 anos, ensina: "Eu acho que quando você quer fazer, você faz onde você estiver". Haroldo soma mais de 60 anos dedicados à arte, sempre compartilhados com a esposa Hiramisa e a família. Na matéria de 25 anos atrás, ele apontava: "Teatro é difícil de fazer em qualquer parte do mundo. Se fosse difícil só aqui, isso teria me estimulado a sair do Estado".

 

Mesmo com dificuldades, que fazem parte do jogo artístico, Haroldo destaca que o reconhecimento que o grupo adquiriu nessas décadas nunca foi estímulo para deixar o Estado, mas sim para repercutir o teatro feito aqui para além de quaisquer fronteiras. "Como a Comédia foi um grupo que sempre teve muito destaque, ela teve muitas oportunidades de se apresentar fora. Em encenações que fizemos no Rio, repercutimos na Europa e fomos convidados especiais (de um evento) no Porto. Muito sucesso para o Ceará", destaca Haroldo.

 

A repercussão dos cearenses, no final das contas, se revela uma repercussão do próprio Ceará. "A gente permaneceu aqui com muita consciência. Alguns grupos que gostariam de ter nome nacional achavam que tinham que estar fora para repercutir. A Comédia Cearense foi criada com a pretensão, inclusive, de divulgar o autor cearense", contrapõe. Tal trabalho era feito através da Revista da Comédia, que trazia em cada exemplar um trabalho de um autor local. "De repente, um texto de um cearense passava a ser conhecido nacionalmente, com vários grupos pedindo permissão para encená-los. A gente permitia, porque, na realidade, o que a gente queria era divulgar o cearense", enaltece o diretor.

 

Nenhum dos artistas indagados à época, no entanto, se furtava em conter seus horizontes. A ideia central, de fato, se revela como sendo aquela de criar pontes entre uma localidade e muitas outras. Na época, no entanto, o trabalho era circunstancialmente mais árduo. Lino, por exemplo, já chamava atenção nas passarelas do Sudeste desde 1984, quando estreou naquelas bandas. Apesar dos convites que "choveram" para que deixasse o Ceará, seguiu no Estado que o acolheu. "Falta muito a realizar. Tenho muitos objetivos e com o tempo as coisas vão acontecendo", disse à época. As realizações do estilista, como mostra a história, foram se concretizando ano após ano - hoje, por exemplo, Lino apresentará nova coleção na 46ª edição do São Paulo Fashion Week, semana de moda de renome internacional na qual é, sem dúvidas, um dos nomes mais aguardados. Ainda assim, ele segue com raízes fincadas no Estado, presentes desde o nome artístico que carrega, inspirado na vila onde morava na Capital, até inspirações vindas de visitas ao Mercado São Sebastião.

 

O diretor e dramaturgo Ricardo Guilherme lembra do que chama de "arquetípico cearense" - aquele que "ora espalha sua terra por outras terras, ora traz outras terras para a sua experiência telúrica". Em 1993, aos 38 anos, ele já atuava como professor da Universidade Federal do Ceará, além de também ter alcançado destaque mundial com o método do Teatro Radical, criado por ele no final dos anos 1980. "A limitação era, à época, de caráter geocultural, social, consequência da concentração da indústria cultural ocorrer no Sudeste e a produção exercida no Nordeste ser muitas vezes discriminada, como se a competência artística-intelectual não pudesse acontecer fora do circuito das metrópoles", critica. Sua atuação, então, foi pautada em romper essa lógica. "Nunca transferi a base de minhas atividades para outro lugar. Excursionei, cumpri temporadas, mas sem desfazer os vínculos institucionais, afetivos e efetivos com a minha pátria-cidade", sublinha o dramaturgo.

 

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