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Ponto de vista
Vida & Arte

Ponto de vista

Edição Impressa
Tipo Notícia

Pensar a leitura de Maggie Nelson é pensar o desconforto. Ela não deixa um minuto sequer que o leitor se acomode e pense que, enfim, entendeu o caminho delineado. Mas a cada curva, a vertigem volta a prevalecer. As palavras tomam um outro rumo, completamente impensável.

 

Lembro de por vezes me perguntar como exatamente havíamos parado ali. Retrocedia, lia de novo e mais uma vez. Estavam todas as palavras ainda frescas na minha mente, mas eram as reviravoltas que não me eram compreensíveis. Ainda não são.

 

Talvez seja o perder o que me encanta em Argonautas. A ideia de que tudo ocorre como em um fluxo, o fluxo da vida da própria autora, e que o caminho é feito de uma costura compreensível apenas no fim. Ou nem assim.

 

Os assuntos que Maggie Nelson aborda são, em uma sociedade cada vez mais conservadora, tópicos que parecem ficar ainda mais urgentes com o passar dos dias. O relacionamento com uma pessoa não-binária e todos os conflitos internos e com a sociedade que surgem a partir dali. Ser madrasta, ser mãe de uma família que foge aos padrões.

 

Para mim, contudo, outros pontos foram me capturando. A maneira como Maggie Nelson retoma sua própria escrita, muito anterior a esse livro, dizia muito sobre a maneira como guio o meu próprio processo. Pesquisadora e jornalista, escolhi as palavras como veículo primordial de estar no mundo. Um processo tão difícil quanto bonito.

 

Perdi-me nas curvas de Maggie Nelson e percebi por fim, só enquanto escrevia essas palavras, que li uma história de amor. Ora como intrusa, ora como convidada. Conheci Harry pelos olhares amorosos de Maggie. E também pelos olhares raivosos e discordantes. A costura que tanto me fez perder pelos caminhos de Argonautas era, por fim, o amor. E nada mais confuso que isso, eu diria.


Luana Barros é jornalista e Mestra em Comunicação.

 

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