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Ao amigo violão
Vida & Arte

Ao amigo violão

| instrumental| Após três trabalhos divididos com vários parceiros, Cainã Cavalcante lança Corrente, disco em que dá destaque à essência de sua arte: a relação íntima com o violão
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Passados 19 anos, Cainã Cavalcante ainda compartilha sua primeira matéria de jornal como material de divulgação. "Anotem bem: dentro de mais alguns poucos anos, Cainan Cavalcante estará sendo requisitado para shows com os melhores artistas de nossa música, participará da gravação de muitos CDs - e claro, gravará o seu - e, tomara, tenha seu talento e sua sensibilidade aplaudidos além fronteiras", diz o texto escrito quando o violonista cearense tinha 9 anos. Reconhecido como uma virtuose precoce do instrumento, ele dedicou dois terços da vida à música e conseguiu tornar verdade tudo que foi alertado naquele início. Só desviou na forma que assina o próprio nome.

 

Hoje, com 28 anos e uma carreira de respeito, ele se dedica a surpreender outros mestres da música instrumental (como Nelson Faria, que se desmanchou em elogios no programa Um Café Lá Em Casa, transmitido pelo Youtube) e a abrir novos veios para a própria arte. É isso que ele busca no disco que lançou na última sexta-feira, 28. Depois de três álbuns onde dividiu espaço com um número generoso de parceiros, Corrente traz nove composições assinadas, arranjadas e executadas somente por Cainã. Como ele define, é sem maquiagem nenhuma.

 

"Esse é o momento em que me senti à vontade pra mostrar como sinto a música, como entendo o instrumento. O disco apresenta isso de uma forma muito honesta, simples e direta. Tenho um carinho especial por todos, mas esse me leva pra um lugar muito especial", avalia o músico que registrou tudo em três dias, no Rio de Janeiro, com direção da violonista francesa Elodie Bouny. "Antes de entrar em estúdio, pensei em chamar pessoas pra gravarem comigo. Mas ela me sugeriu que seria o momento de fazer sozinho", lembra o músico que venceu qualquer medo pra aceitar o desafio. "Claro que gera um certo pé atrás. Nesse momento em que estou convivendo com pessoas que são meus ídolos, isso gera uma expectativa. E seria bom ter um super convidado, pra dar uma endossada. Mas eu toco desse jeito, tenho essa personalidade musical. Tenho muita vontade de mostrar minhas músicas e certeza nessa missão".

 

Morando em São Paulo desde o início deste ano, Cainã vem fortificando um trabalho que construiu ao lado de músicos como Arismar do Espírito Santo, Fagner, Elba Ramalho, Yamandu Costa e Zé Paulo Becker (Trio Madeira Brasil). Com este último, o cearense gravou o disco Parceria e andou por muitos lugares no Rio de Janeiro. "O Rio me influencia porque, quando eu chego lá e caio nas rodas de violão, me deparo com um repertório que não conhecia, que é o do violão solo. E todo mundo com um conhecimento muito firme sobre o violão brasileiro", explica Cainã que também trabalha com guitarra. "Ela apareceu na adolescência como uma possibilidade de trabalhar mais. De fato eu me apaixonei pela guitarra e atuo muito com ela", comenta ele que vem se aventurando até no baixo. "Mas violão é o instrumento que eu pego quando acordo. O jeito que eu toco, como eu entendo o violão e a música, eu vou para um lado diferente do que vão outras pessoas. Isso já me insere em outro lugar. É o violão, mas é de outro jeito".

 

E é esse "outro jeito" que aparece com destaque em Corrente. O álbum começou a ser gestado há dois anos. Antes de virar disco, Cainã fez uma turnê apresentando o repertório e misturando com interpretações bem particulares de alguns orgulhos nacionais, como Carinhoso de Pixinguinha. A turnê rodou Brasil e Europa, e serviu pra lapidar ideias. "Essas nove foram músicas que compus especialmente para o violão solo. Cada faixa é uma homenagem a alguém. Aquelas pessoas que foram importantes pra mim. Vento sul tem um vigor gaúcho e eu fiz para o Yamandu. PoiZé tem o universo do choro, eu fiz por Zé Paulo. O fato é que a vida vai andando e hoje já tem outras composições, que vão ser gravadas logo em breve", adianta ele que tem outro projeto caminhando, com formação diferente e convidados especiais. Também está nos planos outros dois discos: um com o pianista Thiago Almeida, com quem formou o DuoElo, e outro com o acordeonista Adelson Viana, em homenagem a Dominguinhos (1941 - 2013).

 

Sim, por que o trabalho primordialmente solo em Corrente, não tirou de Cainã Cavalcante o desejo do encontro. "Adorei trabalhar com financiamento coletivo porque sempre me atraí pela possibilidade de me conectar com outras pessoas. (O crowdfunding) me aproximou de um público que conhece o meu trabalho. O bem feitor se sente íntimo do processo. Dá uma trabalheira, mas vale a pena". Esse pensamento confirma outra frase tirada daquela primeira matéria, feita quando Cainã tinha 9 anos, e endossada no encontro com Nelson Faria: a de que o cearense acompanha qualquer um com uma habilidade ímpar. "Na verdade eu acredito muito que tocar junto é muito mais do que estar no mesmo palco. É ter disposição pra ouvir o outro". E continua: "uma das coisas que mais me cativa é poder compartilhar um momento junto. No dia a dia está tão difícil ouvir o outro, é uma coisa tão polarizada que se sente na necessidade de acolher o outro pra imprimir a minha opinião. Eu tenho um respeito muito grande pra ouvir, tocar junto, esperar o momento de fazer um comentário. É uma característica que eu tenho de ter respeito. E é uma coisa que eu não percebo".

 

Faixa a Faixa por Cainã

 

Forró gaúcho

Música em homenagem ao sanfoneiro gaúcho Bebê Kramer. Composição inspirada pelo jeito gaúcho do Bebê tocar o forró. A música que abre o CD e contém dois movimentos. Um mais efusivo e outro mais contemplativo. Prepara o ouvinte para o que vem pela frente.

 

Balanço Zona Norte

Música dedicada ao pianista nortista Tito Freitas e a cantora Leny Andrade. Na verdade, um agradecimento pela "aula" que foi o convívio durante o inspirador período em que trabalhos juntos. O título da música é inspirado na música Balanço Zona Sul, do grande e já saudoso Tito Madi. Leny cantava essa música nos shows.

 

Corrente

Música que dá título ao álbum. Composição carrega consigo um movimento contínuo, corrente, fluido. As modulações vão se chegando, acontecendo e mexendo as águas de um rio de sons. Ora manso, ora agitado.

 

Canção da noite

Acredito que a essência da música brasileira é a canção, são as melodias. Canção da noite traz um universo contemplativo, onde a melodia fica exposta, sem mistério.

 

Mar de saudade

Música composta em Riga, na Letônia. Quando estava em turnê pela Europa, morrendo de saudade da Flora, minha filha, e pensando na ideia de que existia um mar que nos separava fisicamente, mas um amor infinito que nos liga onde estivermos. Para mim, a composição tem o movimento de jangada em mar calmo.

 

PoiZé

Música dedicada ao meu mestre, amigo e grande violonista carioca Zé Paulo Becker. Choro melódico e desafiador.

 

Vento Sul

Composição em homenagem ao meu amigo e gênio do violão mundial Yamandu Costa. Música vigorosa, com um alinhamento técnico e melodioso, que eu gosto bastante!

 

Que seja leve

Carinho imenso por essa composição branda e amorosa. Um desejo de que nossas vidas sejam conduzidas pela leveza dos bons sentimentos.

 

A Vida No Sertão

Música em homenagem ao maior poeta popular do mundo, meu padrinho de batismo Patativa do Assaré. Pelos ensinamentos, sempre presentes. Pelo carinho e simplicidade com que conduzia sua vida. Música que fecha o disco com mansidão, que me localiza, fala de onde eu venho. Tem cheiro do sertão cearense!

 

Uma lista boa e especial

 

Cainã comenta uma lista de discos que foram importantes na sua formação musical.

 

Nômade

De Manassés (1997). "O momento em que escutei esse CD icônico do Manassés, quando tinha apenas 9 anos de idade, me inspirou e me fez decidir ser um violonista".

 

Letter from home

Pat Metheny Group (1989). "Ouvir Pat Metheny, em especial esse disco, foi como começar uma nova vida. E de fato, foi!"

 

revolver

Beatles (1966). "Primeiro e marcante disco dos Beatles que eu ouvi. Memória afetiva, carinho pra sempre!"

 

luz

Djavan (1982). "Vinil presente em minha casa durante muitos anos. Logo, Djavan presente na minha vida, diariamente".

 

Elis & Tom

Elis Regina e Tom Jobim (1974). "Porta de entrada para uma paixão eterna pela Elis e pelo Tom".

 

 

 

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