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Para além daquilo que nos é dado ver
Vida & Arte

Para além daquilo que nos é dado ver

| Paradisus | Nova série de pinturas e infogravuras do artista Sérgio Helle inspira livro da jornalista Cláudia Albuquerque. O V&A; antecipa trechos da publicação, prevista para novembro
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Cláudia Albuquerque

Especial para O POVO

vidaearte@opovo.com.br

 

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No livro A Câmara Clara, Roland Barthes cita um episódio em que Gustav Janouch, aspirante a escriba, insiste com Franz Kafka, já autor de A Metamorfose, que "a condição prévia para a imagem é a visão." Ao que Kafka, sorrindo, responde: "Fotografam-se coisas para expulsá-las do espírito. Minhas histórias são uma maneira de fechar os olhos."

 

Fechar os olhos: fazer a imagem falar no silêncio, a fim de que se possa sentir "para além daquilo que nos é dado ver." A folha da embaúba, a camisa dobrada, o abraço no cinema, o reflexo da água, a raiz do abricó-de-macaco. Desde os anos 1980, as imagens que atraem o olhar de Sérgio Helle se transformam em trabalhos que, tendo a pintura como índice, ampliam o vocabulário para dialogar com outros meios e histórias. Caprichosa, como em todo intercâmbio, a conversa depende tanto do silêncio quanto da atenção aos detalhes.

 

"Em 1988, quando fiz minha primeira exposição individual, o que me despertou foi a imagem de um abraço visto em um filme. Eu ficava parando a fita do videocassete para desenhar a cena. A partir daí comecei a prestar atenção em todos os abraços de filmes. Depois, passei a fotografar as telas da TV, que na época tinham a chamada linha de varredura, que aparecia no meio da imagem quando a revelávamos. Eu precisava bater muitas fotos para chegar à imagem desejada."

 

E assim nascem as séries. Quando o olhar, sem aviso prévio ou plano de pouso, avista um ponto que inaugura uma narrativa. Disciplinado, Sérgio considera que tem uma forma onívora de trabalhar. Fotografa o que vislumbra como interessante e alimenta um banco de imagens que não para de crescer.

 

Além da fotografia e do vídeo, que sempre lhe serviram de interlocutores, Sérgio logo passou a ver nos bytes e pixels do universo digital uma porta de expansão criativa, sem cadeado para o palco das técnicas tradicionais. Hoje, o livre trânsito entre estes cenários permite que ele pinte tanto com pincéis quanto no computador. Mudando a técnica, mudam não só os gestos, mas também a visão do trabalho.

 

"Toda a minha trajetória, desde a pintura a óleo, os desenhos de observação, de modelo vivo, as experiências acadêmicas pelas quais passei, tudo isso foi essencial para o que faço hoje. Costumo preparar as telas das infogravuras com pinceladas antes da impressão, isso dá ao resultado final uma textura que me agrada. Deixa mais evidente a mistura do gestual da pintura no computador com o gestual da pincelada física. As pinceladas não são usadas para 'simular uma pintura', mas para evidenciar esse diálogo entre a pintura tradicional e novas tecnologias."

 

Nascido no Crato em 1964, Sérgio Helle veio para Fortaleza com a família aos 10 anos, trazendo na bagagem vagas lembranças visuais: Sinhá D'Amora (1906- 2002) no Museu do Crato, Aldemir Martins (1922-2006) na parede de uma tia, Chico da Silva (1910-1985) numa gaveta da família ("nunca soube se eram originais ou cópias"). Entrou para a publicidade aos 18. A arte dos anúncios ainda era feita com a aquosidade do guache, na errância da mão, e as letras diligentemente recortadas e coladas, uma a uma. Labuta de meio expediente, pois o outro era dedicado à pintura. Sintetiza esse processo dizendo que sempre teve "profissão dupla". Até ficar só com a pintura.

 

Cláudia Albuquerque é jornalista

 

Saiba mais

Paradisus, de Cláudia Albuquerque, é Organizado pela jornalista Izabel Gurgel com a colaboração do artista e fotografia de Jarbas Oliveira. O livro tem lançamento previsto para novembro próximo, quando da abertura da exposição homônima na Caixa Cultural Fortaleza

 

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