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Maria, a dona
Vida & Arte

Maria, a dona

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O maior risco que Lampião, o Rei do Cangaço, vingativo e temido até em pensamento, correu foi quando ficou frente a frente com Maria Gomes de Oliveira, uma baiana alva, baixinha, de nariz arrebitado e pernas inesquecíveis, que tinha sido mulher de Zé de Neném-sapateiro aos 15 anos e, naquele 1928, com 18, voltava a ser dona de si. Desde que lhe pediu que bordasse as iniciais CVF em 15 lenços de seda, quando de passagem pela fazenda de Zé Felipe e dona Déa, o Capitão ficou sob a mira da filha deles.


O Rei dissera que não tinha vontade de se casar (em entrevista de 1929, do O Serrinhense, da Bahia, reproduzida no O POVO). “A mulher era descartada dentro do cangaço. Todos os cangaceiros anteriores a Lampião, como Antonio Silvino, Sinhô Pereira não tiveram mulheres sob seus comandos”, lembra o escritor João de Sousa Lima, autor do livro Mulheres Cangaceiras (2017).


“Quem rompe com isso, e por uma paixão, é Lampião”, assinala o historiador Manoel Neto. “Sinhô Pereira chegou a dizer que Lampião seria invencível enquanto não tivesse mulheres em seu bando. O que houve de concreto foi que Lampião se apaixonou”, completa João Lima.


Maria foi o desdizer, a dona de uma história sobre o feminino em meio a 30, 50, 80 homens. “Ela não era uma pessoa simples. Tinha força sobre Lampião, era ciumenta e valentona”, restaura a jornalista Wanessa Campos que, durante três anos, buscou a vida de Maria para escrever o livro A Dona de Lampião (2011).


“Era braba, brigava muito com ele e ele não dava uma palavra”, ouviu de cangaceiros, familiares. “Era uma mulher destemida, além de seu tempo. O que me chamou a atenção foi a coragem dela, a ousadia e a vaidade... Ela decidiu ir, arrumou as trouxas e foi. Lampião era rico, famoso, valente. Tudo o que o (ex-)marido não era”, conclui a pesquisadora.


O bando rejeitou, silenciosamente, Maria, apurou a jornalista. “Mas ela era comunicativa, brincalhona e conseguiu interagir com o grupo”, contrapõe. Então, Dona Maria Bonita – Dona, como o bando lhe tratava, e Bonita, o modo de dizer do imaginário - foi a primeira dama daquele reinado à margem, seguindo o cangaceiro-capitão, por vontade do amor (concordam pesquisadores), dos 19 anos até a morte no massacre de 1938. Pariu quatro vezes no cangaço; Expedita Ferreira Nunes, a única mulher, criada por um vaqueiro e a esposa até a guarda de um tio, ainda está viva.


E Maria abriu caminho para Dadá, a dona de Corisco, para Durvalina Gomes de Sá (Durvinha), a dona de Moreno, e para todas as outras que, na opinião de Manoel Neto, se tornaram indispensáveis para uma versão tão transgressora quanto afetiva desta história: “Você não pode mais dissociar o cangaço da mulher”.

 

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