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Leia trecho inédito da biografia "Maria Bonita", de Adriana Negreiros
Vida & Arte

Leia trecho inédito da biografia "Maria Bonita", de Adriana Negreiros

Edição Impressa
Tipo Notícia

Se não fosse essas caboca

Não tinha graça o sertão

Não brigava os cangaceiro

Não havia Lampião

 

A transformação de Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, em estrela nacional começou no dia 29 de dezembro de 1936. Naquela terça-feira, os leitores de O Povo, de Fortaleza, viram, pela primeira vez, a imagem da mulher que largara o marido para viver com o fora da lei mais procurado do Brasil.


“Lampião, sua mulher e seus sequazes filmados em pleno sertão”, informava a manchete do jornal, acompanhada de duas fotos. No primeiro retrato, o responsável pela façanha, Benjamin Abrahão (com a logomarca da Aba Film em destaque no estojo de couro que trazia a tiracolo), dá a mão para Lampião, como se firmasse um acordo. A atitude é testemunhada por sete aprumados cangaceiros. Em primeiro plano, Maria de Déa, com seu ar impetuoso, o cenho ligeiramente franzido e, como não escaparia aos olhares mais atentos, o vistoso par de pernas grossas.


No segundo retrato, Maria aparece ao centro, ladeada pelo marido e pelo fotógrafo, com o olhar fixo na objetiva e a mesma vestimenta da primeira imagem: chapéu de feltro escuro, vestido claro de mangas compridas com delicada estamparia e sandálias de couro enfeitadas com ilhoses. Cobrindo pés e pernas, uma meia de tecido grosso. Nas fotografias, a jovem ostenta, ainda, uma profusão de colares e anéis.


Embora trouxesse novidades em termos visuais, a reportagem de O Povo oferecia um texto praticamente copiado da edição do domingo, dia 27, do jornal Diário de Pernambuco. A gazeta do Recife havia dado um furo na concorrência com o relato do encontro entre o cinegrafista e o chefe dos cangaceiros, mas não oferecera imagens atualizadas de Lampião — a que circulava nas redações era de dez anos antes, quando estivera em Juazeiro —, tampouco revelava a feição de sua misteriosa companheira. Nas fotos do Diário, apareciam apenas cinco cangaceiros: Moça, que fora expulsa do bando; Inacinha, que se encontrava presa; Gato, àquela altura já morto; e Juriti e Marreca. Nenhum deles era grande motivo de curiosidade pública.


A ausência de imagens do Rei e da Rainha do Cangaço se tornava ainda mais incômoda à medida que a matéria avançava, com o registro das impressões de Benjamin sobre o casal, atiçando ainda mais o desejo de ver a fotografia dos dois. “A mulher do chefe não trabalha nem sábado, nem domingo, nem segunda-feira. Foi uma promessa”, disse a respeito de Maria, confirmando a crescente fama de mimada da cangaceira, característica que tanto contrariava Dadá. A respeito do líder do bando, o fotógrafo deixaria escapar sua admiração. “Lampião é homem de poucas palavras. Quase não fala. Caboclo sabido e de uma discrição sem par”, definiria, acrescentando não ter conseguido, apesar de enorme esforço, arrancar alguma declaração bombástica de Virgulino. “O capitão é ignorante, mas inteligência não lhe falta.”


Depois da deixa do Diário, não era de se admirar que a edição do O Povo com as fotos do casal esgotasse em questão de horas, “não obstante havermos duplicado a tiragem do jornal”, como informaria a publicação.


Adriana Negreiros é jornalista freelancer e foi editora das revistas Playboy e Claudia. Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço é seu primeiro livro.


Adriana Negreiros

ESPECIAL PARA O POVO

vidaearte@opovo.com.br

 

 

IMAGEM DA MUSA

Na capa da edição de 29 de dezembro de 1936, O POVO foi pioneiro na imprensa nacional ao trazer uma fotografia de Maria Bonita - ao lado de Lampião e seu bando - sob a manchete “Uma das mais importantes reportagens fotográficas dos últimos tempos”.

 

Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço

O texto publicado nesta página é um trecho inédito do livro Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço, escrito pela jornalista Adriana Negreiros e que a editora Companhia das Letras vai lançar em todo o Brasil no próximo dia 31 de agosto. Jornalista desde 1996, Adriana já passou pelas redações das revistas Veja, Playboy e Claudia.

 

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