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Efeito Moonlight?
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Efeito Moonlight?

| Análise | Dois filmes disponíveis no Netflix flertam com o longa-metragem ganhador de Oscar de Melhor Filme em 2017, mas pecam ao repetir padrões do meio LGBTI
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Vamos começar focando na costumeira cena de filmes que abordam processos de descoberta da sexualidade. Aquela já batida, quando as mãos dos apaixonados quase se encostam, a respiração é ofegante, a câmera dá close em cada reação de tensão/tesão dos corpos. Pois é, em Alex Strangelove, filme original Netflix recém-lançado, vemos mais uma vez esse momento.

 

Nesse trecho da comédia adolescente, quando o protagonista (vivido fofamente por Daniel Doheny) se deixa envolver pelo já gay assumido Elliot (Antonio Marziale), um detalhe salta. No quarto onde eles estão quase se beijando a primeira vez, o pôster do longa-metragem Moonlight ganha espaço na parede. A referência é clara. Tal qual o ganhador do Oscar de Melhor Filme, em 2017, o "ser no mundo" de Alex é fortemente transformado a partir do desejo pelo mesmo sexo - tal qual acontece com Black, protagonista do longa premiado de Barry Jenkins.

 

As duas histórias, porém, são divergentes em muitos pontos. Não só pelo gênero (um drama, outro comédia), mas pelo modo como chega nos dilemas do ser ou não ser gay diante da sociedade. Em Moonlight, o fato de o protagonista ser negro e estar inserido em um contexto de vulnerabilidade social já desloca muito as questões de sexualidade. Em Alex Strangelove, a situação de o protagonista estar se descobrindo "não-heterossexual" parece ser a maior problemática a ser vivida.

 

Além da ausência de diversidade étnico-racial, a comédia adolescente também vacila ao deixar as personagens femininas em situação permanente de "escada" para as tramas masculinas. Especialmente Claire (Madeline Weinstein), que incorpora a figura da "namorada deixada", que recorrentemente nos filmes do gênero é desprovida de profundidade. O público torce para o protagonista sair do armário e ninguém liga muito para os personagens deixados para trás (situação que ocorre também em Com amor, Simon, quando as meninas ficam para trás e pronto).

 

Interpretado pelo prisma da comédia leve, entretanto, o filme funciona muito bem. É engraçado, tem situações que flertam com um surrealismo trash cujo desenrolar traz um charme à obra. Se o objetivo era dialogar com Moonlight, porém, não há esse aprofundamento, que é melhor trabalhado em outro longa também disponível no serviço de streaming: Beach Rats.

 

Esta trama apresenta a história de um jovem de 19 anos que se questiona sobre sua sexualidade e fica dividido entre os amigos (que performam uma masculinidade agressiva), a família e os homens mais velhos que conhece pela Internet. O drama, apesar da ausência de personagem não-brancos e de exaltar o padrão de corpo escultural, avança ao colocar o protagonista em contato com questões humanas além-sexualidade (sua relação com os crimes que comete, por exemplo), numa construção que se aproxima muito mais de Moonlight.

 

As pautas LGBTI avançaram em muitas frentes mundo afora e, claro, isso reflete no cinema. A categoria "filme gay", outrora usada para definir histórias como Alex Strangelove e Beach Rats, por si é pouco para fazer brilhar os olhos de quem assiste. É fundamental que histórias de descoberta de sexualidade (especialmente as gays masculinas) busquem outros desenvolvimentos e saiam do óbvio.

 

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