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Encontro de gerações e ideias
Vida & Arte

Encontro de gerações e ideias

| FESTIVAL VIDA&ARTE | Destaques do segundo dia de evento, as cantoras Elza Soares e Liniker unem arte e discurso político para defender um mundo de igualdades
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Duas artistas. Duas mulheres negras. Uma delas luta por espaço (e contra a caretice) no mercado fonográfico desde a década de 1960. A outra briga por sobrevivência (e contra o preconceito velado) no país líder no ranking de morte de pessoas trans. Elza Soares e Liniker Barros foram destaque na segunda noite de Festival Vida&Arte (FVA), evento que segue com intensa programação multicultural até amanhã, 24, no Centro de Eventos. As duas, além dos shows na noite de ontem, se dispuseram a conversar com o público fortalezense em entrevistas abertas.


“A gente está caminhando juntas. Quando eu entendo sobre empoderamento entendo que quanto mais juntas a gente estiver, mais longes vamos”, apontou Liniker, abrindo a programação da sexta-feira com bate-papo com jornalistas e o público às 14 horas. A cantora destaca a força dos artistas negros dentro da programação do FVA, que tem no line-up nomes como Elza e Milton Nascimento. “É muito importante defender minha feminilidade preta e defender meu espaço de existência, aí eu começo a entender o mundo”, completou.


Já no fim da tarde foi a vez de Elza conversar diretamente com seu público e divulgar seu novo álbum, Deus é mulher. “Olha, vou dizer que Deus é mãe, porque se fosse pai já tinha terminado o mundo, porque pai não tem muita paciência não”, brincou, arrancando risos e aplausos da plateia. “Eu vou trabalhar sempre pelas mulheres, continuar gritando pelas minhas mulheres negras, por todas, mas por elas tem que pedir mais forte, porque são as últimas a serem aceitas”, fortaleceu.


Liniker fez coro a metáfora da mãe como força motriz da vida. “Minha mãe me criou sozinha e carregou no colo. Aquilo ali já era empoderamento e a força da mulher preta”, sustentou. A artista aproveitou para celebrar o avanço das diversidades no campo da música. “Tem uma pluralidade muito bonita. Existem drags, travestis, homens trans, pessoas não binárias que fazem com que nossa mensagem seja expressa através da arte. Fico muito feliz quando eu vejo que esses artistas estão lançando disco, fazendo turnê, indo para a Europa se apresentar”, comemorou.


Diante da animação de uma plateia de diferentes idades, Elza destacou a força dos deus trabalhos mais recentes, Mulher do fim do mundo (2015) e Deus é Mulher (2018) junto a plateias mais jovens. “A juventude sabe o que quer e o que quer ouvir”, defendeu. Esse diálogo, apontou a cantora, já vinha sendo trabalhado. “Antes dos dois discos, eu já tinha feito o Do Cóccix Até O Pescoço (2002), que tem uma cara bem jovem, bem moderna”.


As duas se apresentam no palco Rachel de Queiroz e demonstram, cada um no seu show, a força que essas mulheres carregam. Liniker e os Caramelows tocaram o repertório do disco Remonta. Com show A Voz e a Máquina, Elza foi homenageada pelo seu aniversário, que foi comemorado num dia intenso de Festival Vida&Arte. “Só nós podemos mudar o mundo. Não é o mundo que está difícil, ele não tem nada a ver com isso, nós é que estamos difíceis. Vamos juntos, vamos comigo”, convidou a artista, que ganhou bonito coro de parabéns encerando o encontro com o público fortalezense.

 

RACISMO

Na conversa com os jornalistas Marcos Sampaio e Renato Abê, que contou também com seu empresário Pedro Loureiro, Elza Soares falou sobre o modo como foi lidando com a discriminação de raça. “Tive que trabalhar desde muito cedo e me perguntava ‘Meu Deus, por que a gente não tem pão na mesa e tem que andar descalça?’, é porque eu sou preta e a gente sabe disso”, afirmou, logo contando que um ápice da sua carreira foi justamente poder ajudar à família. “Eu gravei meu primeiro disco e pude tirar meus irmãos de onde eles moravam e dar uma casa”, celebrou. Para Liniker, o racismo é combatido a partir de ações afirmativas. “Hoje sou muito mais rodeada por pessoas negras, porque é importante, tanto nas relações pessoais e profissionais, conquistar os espaços juntos”, defendeu, em conversa com os jornalistas Camila Holanda e Émerson Maranhão. 

 

FEMINISMO

Na noite de quinta-feira, 21, abertura do Festival Vida&Arte, evento no qual é homenageada, Elza convocou as mulheres a gritar, enquanto empunhava o Troféu Vida&Arte. “Vamos gritar, mulheres!”, convocou ela, que tem no repertório a música Maria de Vila Matilde, cuja letra versa contra a violência doméstica. Ontem ela reforçou: “A liberdade de expressão é nossa, das mulheres. Aplaudam, gritem, é a vez das mulheres, tá bom?”, bradou. Já Liniker reforçou a sua afirmação enquanto mulher trans. “Mesmo que as pessoas se incomodem, elas vão ter que engolir nossa existência e conviver com isso”, afirmou. A cantora de 22 anos falou ainda sobre lugar de fala. “Tenho experiências de vida que me colocam nesse lugar de fala que é diferente e é importante a gente limitar esse espaço”, confirmou, destacando as suas amigas cantoras trans Linn da Quebrada, Assucena Assucena e Raquel Virgínia.

 

DIVERSIDADE

“Eu sempre fui muito acolhida e protegida pelo público, tenho muito respeito e carinho por eles. Onde eu estiver, estarei defendendo eles”, afirmou Elza, ao ser questionada dos desafios de estar ao lado das minorias desde o início da carreira. “As pessoas têm que ter liberdade para viver, chega de homofobia! No século 21 e ainda existe isso? Que coisa feia”, questionou, arrancando gritos do público e confirmando já ter vivenciado represálias por seu posicionamento. Na linha de frente de artistas que quebram padrões de gênero e sexualidade, Liniker abordou a amplificação de discursos no pop, no funk e em outros gêneros musicais. “O alcance que a Pabllo Vittar tem hoje é muito importante. Ela é vista por todo o País e é grandiosíssima no mercado. A gente tem que ir proliferando em todos os lugares. É bonito ver o mainstream mudar”, ponderou.

 

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