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Músicos cearenses lamentam a morte de Dona Ivone Lara
Vida & Arte

Músicos cearenses lamentam a morte de Dona Ivone Lara

MÚSICA | Autora de "Sonho Meu", "Acreditar" e outros sucessos, a dama do samba Dona Ivone Lara morre aos 97 anos deixando um legado de canções e lutas em defesa da mulher, da música e do povo negro
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Pai do prazer e filho da dor, o samba - como bem versou Caetano Veloso - também é senhora. Substantivo feminino, de pele negra e voz suave, o gênero, que tanto traduz a alegria desconcertante das massas, ganhou um sinônimo de tristeza com a partida do "abraço negro, sorriso negro" de Dona Ivone Lara, 97, na última segunda-feira, 16. Considerada a Rainha do Samba, a Primeira-Dama do Samba, dentre outros adjetivos, a carioca, que aniversariou no último dia 13 de abril, morreu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória, após alguns dias internada, deixando para muitos um legado indiscutível na história da música popular brasileira.


O samba bateu à porta de Yvonne Lara da Costa ainda menina. Filha de costureira que cantava nos chamados "ranchos" cariocas, o pai também dedilhava o violão de 7 cordas e desfilava em blocos de Carnaval da época. Quebrando padrões, teve sua carreira artística iniciada, de fato, somente após se aposentar, em 1977. Formada em Enfermagem e Serviço Social (com especialidade em Terapia Ocupacional), foi nessa época, trabalhando em hospitais, que conheceu a médica alagoana Nise da Silveira (1905-1999), auxiliando-a, inclusive, na revolução da psiquiatria e da luta antimanicomial no Brasil.


"Dona Ivone Lara foi artista de uma grandeza imensa, que traduziu como poucas a força do feminino e da cultura negra. No imaginário geral do samba, ocupa o mesmo patamar de importância de outros gigantes como Cartola, Candeia e Clementina de Jesus. Não apenas pela qualidade inquestionável de suas músicas ou pelo canto inspirado (onde os contrapontos maviosos eram sua marca registrada), mas também por sua própria trajetória, pioneira que foi ao ser a primeira mulher a integrar uma ala de compositores de uma grande escola de samba, figurando ao lado de verdadeiros colossos como Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola", destacou Felipe Araújo, jornalista e sambista, referindo-se à G.R.E.S. Império Serrano (RJ).


Para a cearense Marilene Sales, 55 anos de idade e sambista desde os 15, Dona Ivone Lara é tida como um verdadeiro patamar. "No meu repertório, canto muito os sambas dela, como Sonho Meu, Mas quem disse que eu te esqueço, Sorriso de Criança, Sorriso Negro, etc. Tem também Bodas de Ouro, que é um samba lindo, que diz: Com o samba eu casei tanto tempo faz/ Com ele eu vivi minha vida em paz/ Do samba eu guardei só momentos bons/ Nossos corações não separam mais. Não a considero nem uma dama, mas a rainha do samba brasileiro e que agora foi reinar lá em cima", afirmou.


Carlinhos Palhano, sambista e compositor, reforça sua importância dentro do cenário musical. "Para nós que convivemos com o samba, amamos, estudamos sobre o assunto, Dona Ivone Lara representava a força da mulher no samba. Ela enfrentou uma barra! Para sair da ala de baianas e ir para a dos compositores da Império Serrano, não foi fácil! E ela tinha uma mente maravilhosa, sambas maravilhosos e, além de cantora, tocava cavaquinho. Lamento também porque estamos perdendo tanta gente boa do samba, e os que estão chegando não estão agradando muito, não. Há raríssimas exceções. É isso. É lamentável, mas ela está com Deus", concluiu.


Em 2015, a premiada sambista teve sua trajetória contada no livro Dona Ivone Lara - A Primeira-Dama do Samba (Ed. Sonora), escrito pelo jornalista e consultor da Ocupação Dona Ivone Lara (Itaú Cultural), Lucas Nobile. Para as novas gerações, o legado permanece nas inúmeras e crescentes rodas de samba espalhadas pela Cidade. "Ela tem uma importância fundamental no samba porque quebrou paradigmas de mulher não poder fazer samba. Acho que isso foi primordial. As mulheres tiveram vez por conta de Dona Ivone Lara, abrindo portas para muita gente. Ela seria uma espécie de griô, contadora de histórias, porque ela sabia muito", reforçou Leandro Rodrigues, 27, mestre de bateria do bloco Camaleões do Vila.


Mesmo debilitada (nas últimas aparições, locomovia-se por cadeira de rodas), Dona Ivone Lara não parava quieta. Lúcida, deixou, de acordo com familiares, cerca de 40 canções inéditas nos últimos quatro anos, uma média de dez por ano. Em setembro, ganhará um musical em sua homenagem. O samba agradece.

 

*DEPOIMENTOS NO INSTAGRAM

 

"Seu exemplo e seus sambas extraordinários continuarão a fortalecer as mulheres, os negros, o Brasil e o povo brasileiro"

DANIELA MERCURY*

Cantora

 

 

"Minha rainha é agora a voz de uma constelação! Que o lindo caminho traçado por essa rainha nunca seja apagado!"

TERESA CRISTINA

Cantora

 

"Obrigado por tudo. As bênçãos, os ensinamentos, as conversas, os sambas, a poesia. Descanse em paz, Grande Dama do Samba"

DUDU NOBRE

Sambista

 

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