A história está por toda a parte, até mesmo na moda. Vestimos quem somos ou quem aparentamos querer ser. Mas somos sempre espelhos de uma cultura. E é este reflexo que nos guia, mesmo inconscientemente, enquanto indivíduos na moda. Em Belo Horizonte, para a 22ª edição do Minas Trend, a segunda principal vitrine de moda do País, a instalação de Liliane Dardot chamou atenção para a arte, mas também para a moda, nesse sentido. Fez-se o “Mar Dentro”, para uma abordagem poética relacionada à tradição, à cultura e aos valores locais.
Para a instalação no hall de entrada do evento, a artista plástica utilizou a areia do Rio das Velhas como base para escrever em sílica os nomes populares das plantas do Cerrado mineiro. “Normalmente, damos apelidos a pessoas queridas e a instalação de Liliane simboliza a afetividade com a natureza e o local onde vivem”, contou Pedro Lázaro, autor da concepção criativa da semana de moda mineira, que teve como tema, esta edição, “Nosso Lugar Somos Nós”.
O olhar às raízes ganhou versão “cartão-postal”, dentro e fora (foto principal) da sala de desfile. Lázaro, ao lado de Paulo Martinez, referência do stylist de Minas, remontaram um sertão que é muito de todos nós. O que se viu no desfile de abertura, envolvendo também música e dança coreografada por bailarinos, não tratava exatamente de roupas, mas de cultura, em sua ampla dimensão.
No cenário rústico da sala, via-se, na concepção de Pedro Lázaro, “a manifestação do presente como perspectiva para o futuro” dando alcance para mais de 100 marcas em 60 looks pensados por Martinez.
“O desfile traduz-se em um sertanista feito de muitos olhares. Desenhei baseado na cor das terras, da coisa do árido, para homenagear alguns Estados, entre eles o sertão de Minas, Pernambuco, Bahia (as modelos com turbantes feito de juta), como também o reisado, presente no Ceará, e a vegetação do Agreste, identificada pelo verde - forte - na passarela”.
Para o responsável pela direção do desfile de abertura do Minas Trend, que fez questão de incluir artigos de couro e de crochê, o resgate às origens, assim como o trabalho de handmade ( feito à mão), é indispensável para a moda.
Longe de estereótipos instantâneos da cultura local, Pedro Lázaro defende que o que se busca, do ponto de vista criativo, são elementos com valor e conteúdos a serem explorados. De mesma importância, complementa Paulo Martinez, “para as técnicas não se perderem é necessário dar valor, divulgar e bater o pé porque nós somos muito ricos neste aspecto. Outra coisa importante é que essa ideia do consumir por consumir passa a ser desconstruída”.
“Era tudo novo, mas com aquela cara de brechó com coisa nova. Você não usa uma jaqueta de couro só por seis meses, por exemplo. Você a usa por anos. Então é dialogar com esses processos, com esses produtos, que nos identificam enquanto pertencentes a uma, a várias culturas, mas que também nos levam a uma consciência mais sustentável da moda”, acredita o stylist e editor de moda.
Para Paulo Martinez, considerado um dos grandes ícones do universo da moda no Brasil, o movimento de retorno da relação espontânea e interativa com a natureza e/ou com a própria história ultrapassa barreiras. “Alessandro Michele, estilista da Gucci, é uma dessas referências claras do que estamos vivendo (e desejando), hoje, na moda. Ele vai buscar inspiração na essência da marca, que é onde ele se diferencia e, ao mesmo tempo, dá expertise à grife. Ele faz aquelas roupas com mais cara de brechó impossível, mas que no fim das contas são muito atuais também”, reflete.
*A jornalista viajou a convite do evento
RELIGIOSIDADE
A fé representada no desfile liga os vários sertanistas traduzidos por Paulo Martinez para o lançamento da 22ª semana de moda mineira, que teve como principal mote a afetividade e como isso influencia nos valores e na identidade de moda local
TRADIÇÃO
As riquezas históricas, culturais e geográficas de Minas e de outros estados foram incluídos pelo stylist no desfile poético de boas vindas à temporada Verão 2019. O look de couro remete à cultura do Nordeste.
JULLY LOURENÇO
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