Logo O POVO+
Ex-pajé, de Luiz Bolognesi, será exibido nesta sexta na Maloca Dragão
Vida & Arte

Ex-pajé, de Luiz Bolognesi, será exibido nesta sexta na Maloca Dragão

| PAITER SURUÍ | Com exibição gratuita na sexta, na Maloca Dragão, o filme Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi, lança luz sobre a vida indígena contemporânea tendo como ponto de partida a evangelização da tribo
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
NULL (Foto: )
Foto: NULL
[FOTO1]

Tribo indígena que até 1969 não tinha contato com o homem branco, os Paiter Suruí (RO) tiveram o cotidiano afetado por essa relação. Agregaram tecnologias para ajudar em tarefas diárias e causas, mas, por outro lado, perderam progressivamente traços essenciais de sua cultura, como o pajeado. É o que mostra o longa Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi, a partir da história de Perpera Saruí. “Eu estava fazendo um documentário com jovens da aldeia e perguntei onde estava o pajé. Eles responderam que não tinha. Era um ex-pajé”, reconta o diretor.


A “condição” chegou a Perpera após a entrada da igreja evangélica na aldeia. “Me apresentaram a ele de terno e gravata, todo atrapalhado. Conversamos meio que por mímica e ele conseguiu me explicar que tinha deixado a função porque foi obrigado pelo pastor. Ao mesmo tempo, não conseguia dormir de luz apagada porque os espíritos da floresta estavam bravos por ele não fazer mais os cantos ou tocar as flautas sagradas”, contextualiza. O longa parte do etnocídio — “não é a destruição física dos homens, mas a destruição de seus modos de vida e pensamento”, como ensina a frase de Pierre Clastres que abre a obra — imposto ao protagonista para mostrar a realidade daquela tribo.

[QUOTE1]

Ex-Pajé atualiza o processo colonizador do Brasil. “Esse processo continuado de ataque, invasão e predação das terras e riquezas indígenas começou no século XVI e nunca acabou. Nele, o cristianismo, primeiro com a Igreja Católica e agora a evangélica, tem papel violento de tentativa de destruição da cultura indígena. A perseguição aos pajés é desumana. Há relatos dos séculos XVII e XVIII de pajés queimados em fogueiras por não aceitarem ir à missa. Estamos vivendo um novo momento de violência”, atenta Luiz. Tal contexto, na opinião do diretor, veio a partir de ausência do poder público. “Há momentos de presença importante, como quando a terra foi demarcada, mas em outros o Estado e os governos têm sido ausentes. Como quando permitem que uma igreja entre e faça o papel que cabe a eles”, aponta.


“Os Pater Suruí não precisavam de saúde externa, a princípio, porque tinham o pajé. Com o contato com os brancos, chegaram novas doenças e pessoas morriam de algo que ele não conhecia”, explica. Com a falta de assistência governamental, as igrejas evangélicas passaram a oferecer tal apoio, mas cobrando o abandono da cultura milenar. A situação se repete em outras tribos e estimulou a publicação de um manifesto assinado por lideranças políticas e indígenas contra a intolerância religiosa e a favor da figura dos pajés.

[FOTO2]

Uma exibição de Ex-Pajé foi promovida na aldeia dos Paiter Suruí e, como Luiz conta, os pastores evangélicos não compareceram à sessão mesmo convidados para debate posterior. “O filme não trata mal, não faz nenhuma agressão. O importante é o debate e a reflexão”, ressalta o cineasta. “Durante a sessão, ficou um constrangimento. A comunidade está evangélica e os pastores falaram para eles não verem o filme, mas todos foram. No longa, as flautas sagradas são tocadas, o que há anos não acontece na aldeia, e houve um misto de medo e comoção”, remonta. “Não são todas as igrejas que agem assim, mas sim uma parcela fundamentalista que vem distorcendo a palavra e impondo a religião. Não há nenhum lugar da Bíblia onde Jesus manda destruir as outras crenças. Pelo contrário, a palavra é de aceitação e amor. O segmento fundamentalista evangélico não combina muito com a diversidade do Brasil”, pontua.


Mesmo expondo o processo evangelizador, o longa não assume posição frontal, preferindo a observação. “Fizemos o filme sem maquinários e luz artificial, com uma câmera tranquila em postura de observação e reflexão, que é a maneira que vejo que os índios têm de viver”, compara. “Não há entrevistas, ninguém olha para a câmera. Dá a sensação de ficção. Na verdade, o objetivo é mostrar como vivem os índios contemporâneos na Amazônia hoje”, afirma. Dessa maneira, Luiz considera que o longa “humaniza” o olhar para o índio. “Muita gente fala que um índio, por ter carro, moto ou celular, teria deixado de ser índio. As pessoas acham que eles tem que ficar parados no tempo. Isso não faz sentido. Eles são ambientalistas, ligados à floresta, mas têm tecnologia, roçadeiras elétricas, computadores”, exemplifica.


No filme, a utilização das redes sociais na denúncia da ação de madeireiros, por exemplo, é um ponto importante da apropriação dessas ferramentas brancas por parte dos indígenas. “A tecnologia é usada nessa defesa, mas vemos também que, nas mãos das crianças, cria rupturas de tradições. É algo que acontece também com nós, brancos, com nossos filhos sempre no videogame e no WhatsApp. O filme quebra esse olhar preconceituoso construído em relação aos indígenas e permite um mais humano, verdadeiro e atualizado”, define.


SERVIÇO


Exibição de Ex-Pajé seguida de debate

Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81)

Quando: sexta, 27, às 19h30min

Entrada gratuita

 

O que você achou desse conteúdo?