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Cada olhar, uma sentença
Vida & Arte

Cada olhar, uma sentença

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Um olhar, um gesto. Um silêncio, um grito. Um texto. Tudo pode significar tudo. Ou nada. Depende dos olhos que o veem. É a partir dessa noção de relatividade que o longa Aos Teus Olhos, em cartaz na Capital pelos últimos dias, apresenta uma história sobre julgamentos, justiças e injustiças, ações e reações. O motor principal da trama é o papel de força das redes sociais nesse contexto.


A história do longa dirigido por Carolina Jabor e escrito por Lucas Paraizo (em adaptação da peça O Princípio de Arquimedes, do catalão Josep Maria Miró) foca em um clube de esportes. Nele, o professor Rubens (Daniel de Oliveira), que dá aula de natação infantil, é apresentado inicialmente como uma figura amistosa, aberta, divertida, de credibilidade, atenta aos alunos. No desenrolar dos minutos, porém, o docente demonstra outras facetas na intimidade: despeja comentários machistas sobre uma aluna pré-adolescente e sua mãe numa conversa informal com um colega; fuma no vestiário, mesmo que o ato seja proibido; age grosseiramente com conhecidos, amigos e até com a namorada, de 19 anos.


A construção dessa ambiguidade soa como um artifício exagerado que o roteiro usa por temer não conseguir passar ao espectador a complexidade que acredita ter, em especial quando a situação-chave do filme se revela: Rubens é acusado pelo abuso de um de seus estudantes, um menino de oito anos. A situação aparece no filme, de início, já no momento da acusação sendo feita pelo pai do garoto (Marco Ricca) junto à diretora do clube (Malu Galli). Não vemos, por exemplo, o depoimento da criança afirmando o ocorrido, mas sim, depois, somente a mãe (Stella Rabelo) repassando-o ao ex-marido.


O ponto crucial do repasse dessa história surge ainda um pouco à frente na trama: é quando a mãe, mexida com a situação, decide publicizar o que seu filho lhe contou no grupo do WhatsApp que reúne os pais das crianças da turma. A cena, bem construída, passa a tensão e o estado confuso da personagem a partir da trilha sonora incômoda, da ausência de falas e da opção por dar destaque à tela do celular — onde, inclusive, é possível ver o titubeio dela em como abordar o assunto. De início, escreve a mensagem de uma forma mais branda, mas a apaga e reescreve com detalhes, usando palavras mais duras. É a mesma história, mas contada de formas diferentes, que possuem pesos diferentes e, ainda, provocariam reações diferentes.


Do WhatsApp, o fato chega ao Facebook, e, finalmente, vira notícia em portais. Assim, Rubens é condenado pela opinião pública antes mesmo da possibilidade de defesa legal. O longa é exitoso ao estimular reflexões do espectador sobre aquela situação retratada, mas ao decidir, justamente, focar somente nela, ele foge da responsabilidade de tomar uma posição mais frontal. É possível compreender essa decisão menos direta como algo positivo (já que, de fato, não há regra que abarque todas as situações do tipo e é tudo muito relativo), mas falta um aprofundamento maior de reflexões vindas do próprio filme. Ele mostra, mas não pensa sobre o que mostra. É um olhar válido, é claro, mas turvo demais para a atualidade e relevância do tema.

 

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