“Se você olhar a política lá fora, vai encontrar casos de corrupção. Aqui, (a corrupção) é a norma”. José Padilha tem um discurso desesperançado, cansado com o País. Discorda da esquerda, da direita e não vê perspectivas de futuro na política nacional. Mas se algo ainda faz brilhar o olhar do realizador de Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010), esse algo é a Operação Lava Jato, que ocupa o noticiário desde 2014 com investigações da Polícia Federal sobre desvios de dinheiro e pagamento de propinas milionárias. Desse fio de esperança surge O Mecanismo, segunda produção original brasileira da Netflix, que estreia para 190 países na próxima sexta-feira, 23. O lançamento da série foi na última quarta, 14, com tapete vermelho no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Co-criada por Padilha, que também dirige o piloto, e pela roteirista Elena Soarez, a série desenlaça os fios condutores do “mecanismo” da corrupção no País, segundo define Padilha. Empresas e bancos doam dinheiro para os grandes partidos; os políticos nomeiam pessoas de confiança dos doadores para gerir desvios de dinheiro; doleiros lavam os recursos, resume o cineasta carioca, em tom de chacota. “É assim em todos os municípios, todos os estados, no Governo Federal, no Poder Legislativo”, diz, taxativo.
Livremente inspirada no livro Lava Jato: O juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, de Vladimir Neto, a série não trabalha com os personagens reais, mas com versões ficcionais das pessoas. A obra começa com a obsessão do delegado da Polícia Federal Marco Ruffo (Selton Mello), homem disposto a andar qualquer distância para prender Roberto Ibrahim (Enrique Díaz), ex-muambeiro que conhecera na juventude e que ressurgiu milionário. A inspiração é na relação entre o delegado Gérson Machado e o doleiro Alberto Yousseff, personagens reais que desencadearam as primeiras “cenas” do Escândalo do Banestado – irmão mais velho da Operação Lava Jato.
Mais que a trama política, O Mecanismo fala de intimidade, da relação entre personagens. Segundo Enrique Díaz, a relação entre Ruffo e Ibrahim ultrapassa a trama policial. “O embate dos personagens independe da natureza política; é uma mistura de Caim e Abel com Tom e Jerry”, brinca o ator, que empresta seu carisma para um antagonista com espírito de família.
Para Elena Soarez, roteirista dos oito episódios da primeira temporada da série, a obra lida com dois níveis diferentes de complexidade: o da narrativa política e a da distribuição para 190 países. “Foi um desafio balancear história e ficção. É difícil botar isso tudo no formato de entretenimento”, admite. Para Daniel Rezende, que dirige os dois episódios finais da temporada, é o próprio Padilha quem torna o trabalho mais possível. “O Padilha tem uma capacidade de pegar um assunto complexo e esmiuçar tudo para a gente”, elogia o diretor de Bingo: O Rei das Manhãs (2017).
O Mecanismo surge como a segunda obra original brasileira da Netflix, sucedendo a ficção científica 3% (2016). Quem deu maior força à série foi o sucesso de outra obra. “Narcos me deu poderes sobrenaturais sobre a Netflix, aí aproveitei para enfiar um projeto que eu queria fazer”, brinca Padilha. Erik Barmack, vice-presidente de conteúdo original da Netflix, concorda sobre o peso da série sobre o narcotráfico colombiano. “Narcos mudou todas as regras. (A série) Começou a era da TV mundial”, admite.
Essa noção globalizada de televisão foi um dos atrativos para Selton Mello embarcar no projeto, além da chance de trabalhar com Padilha. “Isso de ser visto em 190 países é muito novo. Dia 23, meu pai coruja vai dar play, mas também o japonês, o cara da Finlândia”, comenta, acrescentando que era público assinante mesmo antes de trabalhar com a Netflix.
*O jornalista viajou a convite da Netflix
Série O Mecanismo (Brasil, 2018)
Direção: José PadilhaRoteiro: Elena Soarez
Estreia: 23 de marçoOnde: Netlix
Informações: netflix.com/omecanismo