Torquato Neto morreu 15 anos antes de eu nascer, em uma casa sempre ligada aos sons tropicalistas. Mas mesmo dentro da familiaridade com o nome, eu pouco sabia sobre o piauiense – como tantos, mesmo os contemporâneos dele. E mesmo se eu soubesse muito, ainda saberia pouco diante de tudo que existe para ser dito sobre alguém tão múltiplo quanto foi o poeta. Torquato Neto – Todas as Horas do Fim, de Marcus Fernando e Eduardo Ades, é uma missão essencial e difícil de dar forma a esse caos que foi a passagem do piauiense pela cena cultural brasileira entre 1964 e sua morte, em 1972.
Mesmo com uma brutal escassez de imagens e de áudio do personagem central da obra, o documentário consegue a proeza de se construir todo em volta de Torquato. O foco nunca é Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé ou quaisquer dos famosos entrevistados da obra. É sempre sobre o poeta. Ele se mantém presente nos versos das dezenas de composições dele que fazem a trilha do filme. Ele está lá na voz do “narrador” Jesuíta Barbosa, que interpreta diários, cartas e poemas de Torquato. E está vivo no cinema marginal, contracultural, que cobre as entrevistas com os famosos, que nunca ofuscam o brilho do poeta piauiense.
Todas as Horas do Fim é um filme apaixonado, mas também não é cego. Se trata da genialidade de Torquato, não esquece da indolência dele com a própria arte. Não foge ao tema suicídio, tratado já de cara. Fala das viagens, dos contatos, mostra a qualidade da poesia, mas discute as idas a manicômios e os questionamentos existencialistas. É, em suma, um filme que tem a noção da multiplicidade do personagem. Hoje, sei um pouco mais sobre Torquato Neto. E tenho certeza de que ele era protagonista de todas as histórias que viveu.
André Bloc