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Entrevista com Finok
Vida & Arte

Entrevista com Finok

UM DOS NOMES MAIS fortes no cenário nacional das artes urbanas, o paulistano Finok participa da programação desta edição do Festival Concreto. Ele conversou com o V&A sobre suas inspirações e o lugar do grafite nas cidades
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Finok cresceu em um dos bairros mais icônicos para as artes urbanas de São Paulo. Cambuci, na região central da capital paulista, exibe uma série de murais criados por nomes de peso no cenário contemporâneo do grafite. Cris Rodrigues, Nina Pandolfo, Os Gêmeos e Vitché são algumas das assinaturas que podem ser encontradas por lá.


O artista, cujo nome verdade é Raphael Sagarra, tomou gosto pelo grafite e fez dele sua arte. Também deixou sua marca em Cambuci, antes de viajar boa parte do mundo grafitando muros e participando de exibições em Londres, Milano, Lisboa, Moscou, Beirute, Nova York e Valparaíso. Finok é um dos convidados da quarta edição do Festival Concreto.


O artista conversou com o Vida&Arte sobre o cenário das artes urbanas em São Paulo e em Fortaleza e sobre o que o inspira em sua criação.


O POVO - Você trabalha com várias plataformas - grafite em muros, em equipamentos urbanos, esculturas, filmes. Está tudo incluído no espectro das artes urbanas?

Finok - Eu comecei com o grafite, ilegal, sem autorização, de você chegar e pintar seu nome numa parede. Até hoje faço isso, mas totalmente separado do meu trabalho. O resultado visual do grafite, pra mim, não é arte. A parte artística é o processo, a atitude, isso de se apropriar do espaço. Já o trabalho que faço nos festivais é uma pintura, é mural, embora ambos sejam arte urbana.

OP - O grafite, então, estaria mais ligado a essa ideia de contestação, beirando o ilegal?

Finok - Às vezes, aparentemente, você não está contestando nada, mas você está se apropriando de um espaço. É um desafio você chegar e pintar um lugar. Claro que tem lugares onde não acontece nada, mas em São Paulo eu já tive muitos problemas ao grafitar, sobretudo letras. É uma coisa que não faço quando trabalho, nunca pinto letras em murais e telas. Então, são várias vertentes dentro de um trabalho. De dentro do grafite, o que eu carrego para meu trabalho é o ato, é ele que eu considero uma arte.

OP - Como você enxerga São Paulo enquanto campo para as artes urbanas?

Finok - É difícil definir. Tem muita gente fazendo coisas diferentes, com uma visão totalmente diferente da minha. O grafite de raiz é aquele que você faz sem apoio de ninguém, faz onde quiser fazer. Qualquer coisa além disso já é outra coisa, deixa um pouco essa essência do grafite. Claro que no Brasil, principalmente em São Paulo, isso se tornou uma coisa muito comum, tem bastante gente que gosta, ao contrário da Europa, onde a maioria das pessoas não gosta. É diferente a forma como as pessoas encaram o grafite aqui.

OP - Ele é mais bem aceito aqui do que na Europa?

Finok - Sim, com certeza. Claro que na Europa existem lugares com muitos murais, mas falo do grafite mesmo. Aqui, já aconteceu de estar pintando uma parede sem autorização, e chega o dono e ele gosta. Na Europa, mesmo com autorização tem gente que não gosta. Acho que no Brasil, como as pessoas são mais carentes de cultura, fazer isso é trazer um pouco de cultura pra elas.

OP - Você disse que a essência do grafite é fazer o que se quer. Como você enxerga a atitude da Prefeitura de São Paulo em relação aos murais, o projeto de estabelecer um espaço onde o grafite seja livre e autorizado?

Finok - Não é tão simples assim. O prefeito disse que combateu o grafite e a pichação, mas que quer apoiar com algumas paredes. O que ele quer apoiar não é o grafite, é o mural, que não tem a essência do grafite. Eu sinceramente acho que se você não tem autorização para pintar uma parede pública, você não pode querer cobrar alguma coisa dizendo que “o que eu pinto é arte”. Não importa o que você faz, se não tem autorização, corre o risco de ser apagado. Isso é natural. E já existe um histórico de prefeitos fazendo isso. Só acho que a prefeitura não deveria gastar dinheiro com esse tipo de coisas se tem problemas muito maiores, como o lixo nas ruas.

OP - O grafiteiro já tem essa consciência de que aquele é um trabalho efêmero e que pode ser apagado a qualquer momento?

Finok - Eu tenho essa visão e sei que muita gente também tem. Mas o problema é que o grafite vem mudando muito de um tempo pra cá, e muitas pessoas hoje enxergam o grafite como uma plataforma para se tornar um artista. Isso acaba confundindo um pouco. Mas a verdade é que você não pode controlar nada do que acontece na rua, até mesmo pelos materiais que são usados. Não é uma coisa feita para durar para sempre.

OP - Como a arte urbana brasileira vem sendo vista no exterior?

Finok - Sempre tem sido bem vista, talvez por ser essa coisa tão diferente, tão autêntica, sem comparação com o que acontece lá fora. E também pelo estilo que cada pessoa busca, isso sempre foi reconhecido. E hoje, com toda essa informação, as coisas se misturam ainda mais. Isso sempre foi uma característica dos artistas do Brasil, esse trabalho autoral bem forte.

 

OP - É possível encontrar um ponto de contato, uma característica comum, no trabalho desses artistas brasileiros?

Finok - A característica em comum é que tudo acontece, é tudo misturado. É isso que faz o nosso estilo tão original. Essa mistura de coisas tradicionais com elementos contemporâneos.

OP - Seu trabalho tem elementos que remetem ao nosso folclore e às religiões de matriz africana. Como conjugar a tradição com essa ideia de metrópole em constante transformação?

Finok - Aqui em São Paulo há muita informação, como em Fortaleza. São coisas que chamam atenção. Tem gente de todos os cantos, tudo misturado. É uma relação sem limites, não é uma cultura fechada, mas totalmente aberta para você ver os pontos que te interessam e se inspirar nisso, e usar como referência pro seu trabalho. Mas hoje isso tem um lugar um pouco menor na minha pesquisa.

OP - Qual o seu foco agora?

Finok - Hoje eu estudo os atos ilegais (mas não o grafite ilegal). Falo de tudo isso que vem acontecendo no Brasil, essa crise política. Coloco isso no meu trabalho de uma forma mais ampla. Meus últimos trabalhos têm uma relação com isso do ilícito, pergunto quem é o infrator.

 

OP - Qual o papel da arte urbana na cidade? Ela é feita para incomodar e questionar?

Finok - A arte urbana não tem exatamente um foco. São milhares de artistas, cada um diferente do outro, mas tem muita gente que quer protestar, gente que quer agredir, outras que querem decorar, outras que querem passar uma mensagem social, fazer algo para ajudar. A arte urbana não tem limites, não tem regras. Você faz o que quiser, o que vier na sua cabeça. O que ela precisa é chamar atenção de quem passa na rua. Você precisa saber comunicar muito rápido, precisa chamar atenção em um espaço muito pequeno de tempo.

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