Uma premissa norteia a trajetória do grupo Costa a Costa: o mundo não é dividido antagonicamente entre “manos” e “playboys”. “Eu não quero cozinhar esse crack, primo, mas eu quero andar de Nike”, versa a música Necessário, lançada em 2007 na mixtape Dinheiro, sexo, drogas e violência. Em contexto em que o rap brasileiro ainda estava focado em temas como crimes e tráfico de drogas, o quinteto cearense do hip hop começou a chamar atenção do País cantando outros temas, entre eles, o desejo de ganhar dinheiro. Não que Costa a Costa tenha falado apenas de amenidades, muito pelo contrário, relevava de forma crua a realidade das periferias da Capital.
“A grande mudança (que o grupo trouxe) é de linguagem. O rap estava muito na perspectiva do ‘ele’, falando do outro. A gente falou do ‘eu’. Levamos a vida real para mixtape”, aponta Nego Gallo, fundador, ao lado de Don L, do grupo que posteriormente agregou Junior D, Flip-Jay e Preto B (e depois Berg Mendes). Mixtape é uma compilação de canções normalmente gravada de forma alternativa e que são agrupadas de forma sequencial sem a busca da “unidade” de um CD.
Criado em 2005, o Costa a Costa ganhou projeção do movimento rap no País dois anos depois com o único trabalho da carreira. Com a mixtape de 23 músicas, a banda ganhou dois Hutúz, premiação nacional da Central Única das Favelas (CUFA), incluindo o de melhor grupo Norte e Nordeste da década, em 2009.
[FOTO2]Além de inovar no conteúdo das letras, o trabalho trouxe novidades na maneira de distribuição. Na ausência de uma gravadora, o grupo liberou o trabalho para download na internet. “Hoje o mercado da música se resume a shows, não é a venda de CDs, e a gente já estava entendendo isso em 2007. A ideia de fechar com uma gravadora ou grande selo naquele momento, para a gente, era muito distante. O Costa a Costa apostou na internet e enviava a mixtape para vários lugares do País”, aponta Gallo. Após a repercussão do trabalho, outros nomes do rap Brasil afora começaram a fazer a mesma coisa, a exemplo de Emicida, que lançou a mixtape Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe, em 2009.
O Costa a Costa não acabou, mas está em pausa desde a mudança de Don L para São Paulo em 2013, onde o rapper constrói carreira solo e já é apontado como um dos principais nomes da atual geração do movimento hip hop brasileiro. O músico, que lançou este ano o ep Roteiro Pra Aïnouz vol.3, se apresenta hoje em Fortaleza dentro da programação da XI Bienal Internacional de Dança do Ceará. Para o ano que vem, o grupo prepara projetos. Segundo Gallo, eles devem “retornar com tudo”.
“A arte deve ser a solução pra nossa pobreza de espírito, que impede a gente de reverter nossa pobreza material, como sociedade. A mesquinharia e o egoísmo, a mediocridade, não podem vencer, porque só trazem soluções burras e insustentáveis”, aponta Don L, sobre a busca artística, enquanto grupo ou na carreira solo, de renovação. O Costa a Costa se destacou também por misturar rimas com reggaeton, mambo e salsa, o que trouxe ainda outras camadas ao trabalho Dinheiro, sexo, drogas e violência, até hoje lembrado como um marco. “Só a arte pode ressuscitar os nossos sentidos”, arremata Don.
SERVIÇO
Show - Don L
Quando: hoje, às 22 horasOnde: Arena Dragão do Mar (rua Dragão do Mar, 81)
Programação gratuitaOutras informações: bienaldedanca.com
SAIBA MAIS
Novo EP de Don L
Lançado em junho último, o novo trabalho do rapper mantém proposta do Costa a Costa de focar em experiências pessoais do rapper. Ao longo de nove faixas , o músico critica o cenário da música brasileira e cita, inclusive, o contexto em que o grupo foi premiado nacionalmente, em 2009. No Hutúz, havia uma premiação à parte para Norte/Nordeste. “Por que não tinha uma categoria pro Sul? então era tipo esmola pra segunda divisão”, contrapõe Don L.