Cinema, além de arte e entretenimento, é também história, registro de costumes, pensamentos e contextos de determinadas épocas.
Para ter acesso a esse acervo subjetivo, é necessário que os materiais brutos, como negativos e películas originais, sejam preservados. Nesse sentido, está no ar até sábado, 4 de novembro, a campanha de financiamento coletivo pela digitalização de Um Céu de Estrelas (1997), primeiro filme da cineasta Tata Amaral. O premiado longa foi filmado em 1996, sendo uma das únicas produções finalizadas daquele ano. Hoje, a equipe possui o negativo original do filme, mas a cópia em película da obra já não existe e as outras cópias que resistem estão em estado deteriorado. Caso Um Céu de Estrelas não seja digitalizado, o filme corre o risco de ser perdido. “As gerações mais novas precisam ter acesso ao riquíssimo acervo cinematográfico feito antes da era digital. Os filmes fazem parte de nossa história e é preciso conhecê-la para estabelecermos um olhar crítico para o presente”, defende Tata, em entrevista ao O POVO por e-mail.
Um Céu de Estrelas, baseado no romance homônimo de Fernando Bonassi, conta a história de um relacionamento abusivo, marcado por violência doméstica. “Os roteiristas (Jean-Claude Bernardet, Roberto Moreira, Márcio Ferrari) mudaram o ponto de vista narrativo da personagem masculina, como era no livro, para a personagem feminina. Infelizmente, é uma realidade ainda muito atual e os dados da violência contra a mulher só têm piorado”, afirma Tata. Além de registrar questões sociais, o longa também traz em si parte da história de um contexto no qual o cinema brasileiro estava enfraquecido. “Era um momento em que praticamente não havia produção, quando o (então presidente) Collor acabou com os incentivos para o cinema e para a cultura. Após o impeachment, alguns mecanismos de apoio foram sendo construídos e assistimos a uma lenta retomada da produção de filmes”, contextualiza a diretora.
O filme foi financiado por um edital de telefilmes, um dos primeiros abertos na década de 1990 após a saída do ex-presidente. “Na época, era um formato pouco conhecido. Sabendo da grande concorrência que teria um edital de longas depois do hiato da ‘era Collor’, inscrevi o filme. Um Céu de Estrelas faz parte de um capítulo da nossa história onde fazer filmes era um ato de resistência”, afirma. “Para ser feito dentro de um orçamento pequeno de telefilme, tivemos que aliar uma estratégia de produção com uma tecnologia pouco usada e uma dramaturgia radical, que estava em sintonia com a produção e a inovação: os roteiristas condensaram a história em uma única casa e um único dia, com pouco mais de 2 personagens em cena”, lista a cineasta.
Tata afirma que a escolha pelo financiamento coletivo se deve à falta de políticas públicas com esta finalidade. “Não há, até este momento, políticas voltadas para a digitalização dos filmes feitos antes da era digital. A Ancine (Agência Nacional de Cinema) já está pensado nessa questão e tem estudado abrir uma linha de edital para restauro e digitalização”, pondera. “É imprescindível, pois os custos desse processo são caros e o financiamento não dará conta da demanda”, reconhece. Segundo a cineasta, é importante para a história do cinema brasileiro que se estabeleça uma política de digitalização. “Algumas medidas (para isso) são apoiar as cinematecas como lugar de preservação, armazenamento, restauro e difusão, no sentido de ativar este acervo. Uma política para que esses filmes possam circular nas novas plataformas digitais. Tem todo um acervo de filmes brasileiros que está escondido do público e que precisa ser vistos e revisto”, convida.
Serviço
Campanha pela digitalização de Um Céu de Estrelas
Até sábado, 4/11
Saiba mais: www.facebook.com/umceudeestrelasfilme/
Link para contribuir: catarse.me/umceudeestrelas