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Especial Antônio Bandeira. O homem a rede o fogo
Vida & Arte

Especial Antônio Bandeira. O homem a rede o fogo

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Antônio Bandeira era dono de uma simplicidade inegável. Nas muitas viagens que fez para Fortaleza tinha sempre uma rede - “imaculadamente branca” – à sua espera na casa dos pais. Em Paris, onde alcançou o auge da carreira e entrou para o circuito artístico internacional, se ressentia de não ter armadores na parede. Um detalhe que poderia parecer irrelevante diante dos grandes feitos do pintor – mas, para ele, o balançar e o tecido continuavam necessários.
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A personalidade tranquila, o fácil convívio e os belos trejeitos que encantaram os europeus são apontadas como as características mais marcantes do artista. “Durante muitos anos, o Bandeira foi referência na França de uma pessoa afável, uma pessoa amiga, um brasileiro muito comunicativo. Ele se destacava pelo seu tipo físico, fazia muito sucesso. Tinha um tipo físico meio mulato meio caboclo. Era uma pessoa muito simpática”, explica Max Perlingeiro, curador e estudioso de arte.
 

Nas muitas viagens que fez para o Ceará, Antônio Bandeira era procurado por amigos da família, professores de arte e curiosos que queriam entender: quem era aquele homem que fazia tanto sucesso no estrangeiro. Não fosse pelo ranço das viagens de avião – preferindo sempre os traslados de navio – teria passado mais temporadas em Fortaleza. Quando estava na Cidade, sabia aproveitar cada um dos pequenos prazeres que tanto lhe faziam falta. “Aqui ele pegava uma bolsa dessas de pescador, colocava caju dentro, botava uma garrafa de cachaça e ia para a praia, tomar cachaça, aquela coisa”, conta Francisco Bandeira, sobrinho do pintor. 

 

Há registros do artista na orla, descalço ou de chinelos, comprando peixe e fumando.
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Antes da propulsão de sua carreira em galerias da França, da Itália e dos Estados Unidos, Bandeira foi um menino criado entre o fogaréu da fundição do pai. Desenhava e criava em meio ao labor dos trabalhadores. E, mesmo na idade adulta, já morando no Rio de Janeiro para estudar arte, não escondia o carinho pelo lugar. A fundição, disse em correspondência enviada à família em 1961, era sua infância. “E ela também é um pouco de mim. É minha infância. De forma que mesmo nunca tendo trabalhado na fundição sou um pouco operário dela. Cresci vendo aquele fogo e a vontade de ferro que vocês tinham e têm para mantê-lo aceso”, dizia. Fragmentos dessas correspondências foram publicados pelo O POVO em outubro de 1997.
 

Também em correspondência, em 1961, o abstracionista se definiu como uma pessoa de “jeitão calado”, semelhante à personalidade do pai, Sabino Bandeira. Mas a suposta timidez não impediu o artista de cruzar oceanos. Na Europa, afirma Max, Antônio Bandeira era um destemido. Apesar do acerto para residir na cidade universitária, ele investiu em seu próprio estúdio. Passo ousado para um estrangeiro. “Paris é caríssima. Agora aluguei mesmo um atelier que a cada mês pagarei a bagatela de 300 dólares. Mais de quinhentos mil cruzeiros por mês só de aluguel. Já imaginaram?", conta em carta de 1964.
Entre as barreiras que o pintor cruzou ainda existiu o idioma. “Ele não falava francês e passou a ouvir os diálogos nos corredores”, aponta Max. No Ceará, a língua aprendida era o encantamento da mãe. “Ele gostava muito do pai e da mãe. Tinha um carinho imenso pela família. Minha vó pedia para ele falar em francês, aí ele se negava dizendo que ela não ia entender nada, mas acabava falando e ela achava lindo”, pontua Francisco.  

 

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