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No limite entre realidade e delírio
Vida & Arte

No limite entre realidade e delírio

Publicado no Brasil pela primeira vez, o canadense Iain Reid constrói narrativa que borra as fronteiras entre sanidade e loucura
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Escritor Iain Reid (Foto: )
Foto: Escritor Iain Reid

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O escritor canadense Iain Reid foi descrito pelo jornal The globe and mail como um “hipocondríaco e insone crônico em shorts de basquete e roupão remendado”. Quando a matéria que o citava foi publicada, no início de 2013, Reid havia acabado de lançar seu segundo livro, espécie de relato bem humorado sobre a viagem que fez acompanhado da avó de 92 anos. Seu livro de estreia, lançado três anos antes, narrava sua experiência de voltar a morar na fazenda dos pais quando, recém saído da faculdade, conseguiu emprego em uma estação de rádio local.

Seu último trabalho, Eu estou pensando em acabar com tudo, foi publicado no ano passado e chegou ao Brasil recentemente, em tradução de Santiago Nazarian para a editora Rocco. Primeira obra de ficção do autor, marca uma mudança de foco em sua estética - Reid abandona o bom humor dos primeiros livros e mergulha em uma trama de suspense que não oferece respostas fáceis ao leitor. O grande mérito do romance é jamais esclarecer a confusão dos protagonistas, um casal de jovens em viagem, perdidos entre delírio e realidade.

Na entrevista a seguir, realizada por e-mail, Reid fala sobre o momento em que decidiu escrever um livro de horror, cita referências e explica em que se baseia sua estética.

O POVO - Você disse em um entrevista que a fazenda que aparece em Eu estou pensando em acabar com tudo foi inspirada pela fazenda onde vivem seus pais, em Otario. É a mesma fazenda que aparece em seu primeiro livro? Quem ler as duas obras vai perceber semelhanças entre os dois espaços?

Iain Reid - Eu diria que a fazenda em si não era realmente a inspiração, mas mais o estilo de vida de viver em uma fazenda e crescer longe da cidade. Pode ser uma existência muito solitária. Eu aprecio o silêncio e a solidão, mas apenas até certo ponto. Eu não acho que alguém notaria semelhanças entre as duas fazendas, pois nossa fazenda real é um lugar encantador. A fazenda na história é definitivamente mais ameaçadora e angustiante.

OP - Você esteve pensando neste livro durante uma década antes de escrevê-lo. O que te fez começar a escrever? Quando você sentiu que estava preparado para isso?

Reid - Comecei a escrevê-lo depois que a ideia da história apareceu para mim. Eu estudava filosofia na universidade e lembro de me sentir desconfortável quando fui apresentado a alguns conceitos pela primeira vez. Eu queria escrever sobre eles, mas não de uma forma acadêmica. Senti que essa história era uma oportunidade de fazer isso. Eu nunca acho que estou realmente preparado para começar a escrever qualquer coisa. Eu apenas começo e vejo o que acontece.

OP - Seus primeiros dois livros são reconfortantes, têm alguma comicidade. O que causou essa mudança no seu foco?

Reid - Eu acho que justamente por meus dois primeiros livros serem reconfortantes e espirituosos, quis escrever algo muito diferente. Eu não queria sentir que estava me repetindo. Esta história também me deixou desconfortável e inseguro enquanto eu pensava e a escrevia.

OP - Não é um livro de sustos fáceis. Não é o terror tradicional. Em uma entrevista, você disse que, pouco a pouco, foi deixando de lado os elementos de terror. É o que estão chamando de pós-terror. Seu tradutor aqui no Brasil, o também escritor Santiago Nazarian, fala ainda de “existencialismo bizarro”. Em que o seu terror se baseia?

Reid - Sim, eu gosto do que Santiago diz. Existem muitos diferentes tipos de horror, mas eu sou muito mais perturbado pelas ameaças metafísicas e existenciais do que pelo horror gore ou físico. Eu sabia que algumas pessoas poderiam ler esse livro sem achá-lo assustador, enquanto outras me disseram que se sentiram aterrorizadas.

OP - É um romance sobre ansiedade?

Reid - Eu geralmente não gosto de dizer sobre o que é a novela, porque eu não quero influenciar como os outros vão lê-la. Eu poderia dizer que se você leu o livro e acha que é sobre ansiedade, você está certo. Depois de lê-lo, você tem tanta autoridade quanto eu para dizer sobre o que se trata.

OP - Você já citou Doris Lessing, Michel Faber e Shakespeare como referências. Pode me indicar outras obras de terror que marcaram sua trajetória?

Reid - Eu diria Hitchcock, com certeza, e Lynch. Recentemente, Samanta Schweblin e seu Fever Dream, um excelente livro que eu li. Também ouvi muito uma banda canadense chamada Metz enquanto escrevia esse livro.

OP - Em uma matéria de 2012 você declarou que, muitas vezes, escrever te faz se sentir “pouco inteligente e semi-inútil”. Isso foi antes do seu primeiro trabalho de ficção. Como você se sente com a escrita agora?

Reid - Me sinto igual. Eu acho que escrever qualquer coisa é difícil. Nunca é fácil. O processo é exigente, mas eu acho que é justamente isso o que eu aprecio. É um desafio, e me ajuda a entender melhor sobre o que eu estou tentando escrever.

OP - O que faz um bom livro de horror?

Reid - Nunca me sinto confortável ao fazer de declarações assertivas, mas o suspense nunca é um elemento negativo.

Serviço:

Eu estou pensando em acabar com tudo, de Iain Reid

Preço: R$39

164 páginas

Fábrica 231

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