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Especial Antônio Bandeira. Entrevista com a socióloga Kadma Marques
Vida & Arte

Especial Antônio Bandeira. Entrevista com a socióloga Kadma Marques

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O POVO - Como a paisagem urbana das cidades onde viveu chegava às telas de Bandeira?

Kadma Marques - Bandeira apropria-se de ao menos três cidades - Fortaleza, Rio de Janeiro e Paris - para convertê-las em objeto de pesquisa plástica, formal, traduzindo sua ligação emocional com elas em imagens cujas cores e traços vibram em um ritmo visual intenso que impactam os mais diversos públicos, mesmo hoje. Neste sentido, Cidade queimada de sol, pintura que integra o acervo do Mauc, é emblemática. Nela, pela experiência dos sentidos que o gesto imortaliza, o artista filtra os efeitos de um sol potente que se expande, a tudo envolvendo em um vermelho que impregna os olhos, ardendo. Vista de cima, a cidade poderia ser apresentada de forma distante, impessoal. Mas o vermelho nos reconcilia com ela, pois ela é quente. O ritmo dos gestos que deixaram suas marcas sobre o quadriculado urbano é outro fator que insere o humano na visão grandiosa dessa paisagem.

OP - De que modo ocorria essa “invenção” de Fortaleza como forma-paisagem?

Kadma - Um artista como Bandeira, acumulado tudo que sua sensibilidade aguçada lhe dava acesso, precisava externar sua experiência, traduzi-la por meio de recursos que lhe possibilitassem restituir ao mundo sua experiência. Com isso, ele descortinava aos nossos olhos a cidade que o tocava, ecoando em nós uma paisagem vivida, pulsante. Nesse movimento, a cidade se depura e se intensifica como forma-paisagem, fazendo-nos reencontrar a paisagem que vemos todos os dias sob um novo registro - aquele da beleza impactante, que nos desestabiliza ao instaurar um mundo novo no seio do mundo que pensávamos conhecer. Nossos olhos cansados de ver redescobrem assim uma cidade de afetos, de memórias, de possibilidades daquilo que poderia ser.

OP - Com o distanciamento temporal de 50 anos da morte do Bandeira, o que ele nos diz hoje?

Kadma - O trabalho de Bandeira permanecerá um marco de invenção, formal e social, uma peça fundamental nas articulações que se deram ao longo do tempo entre agentes sociais e instituições e que estabeleceram hoje outro patamar para atuação dos artistas locais. Bandeira sintetiza em sua individualidade a potência social de sua época, ele funcionou como um vetor único, que porém em sua singularidade não apaga o coletivo do qual se destacou, antes revela-o como força propulsora.

Kadma Marques é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. A pesquisadora é autora do artigo Antônio Bandeira: da invenção da cidade como forma-paisagem


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