Desde que assumiu a direção do Balé Teatro Guaíra, Cintia Napoli tem se dedicado a encenar montagens (e remontagens do repertório da companhia) que fazem referência a obras reconhecidas da história da dança, como a Sagração da Primavera, Romeu e Julieta, e, agora, Carmen, de Luiz Fernando Bongiovanni.
A versão da trilha escolhida não é a da notável ópera de Bizet, mas uma releitura sua em um único ato, que Shchedrin compôs em 1967, dançada originalmente por sua esposa, Maya Plisetskaya, numa coreografia de Alberto Alonso.
Carmen é um papel difícil, em uma obra complexa, que lida com emoções intensas, e facilmente escorrega em caricatura. Mas não aqui. A Carmen do Guaíra é também uma estrela, e está em cena muito bem acompanhada.
Ainda que a estrutura proposta dificulte o entendimento do enredo da história contada, nessa situação o essencial nos basta: ciúme, desejo, morte. E mesmo se não entendermos a “Carmen” de Bongiovanni para além disso, nada ficará faltando.
A coreografia mantém diversas das formas e estruturas do balé clássico, mas seus meios de construção e apresentação são do contemporâneo, usando também uma tendência para a dobra do joelho que combina com a personagem-título, fazendo mexer constantemente a saia de Carmen.
Especialmente sensual é o duo de Carmen com um de seus parceiros, numa cena que seria numa prisão, e mais parece um quarto. Novamente, as figuras que compõem essa história são, sim, difíceis de identificação, mas o relevante aqui é a abordagem feita do original, a fixação em sua essência.
Esse limite do essencial atravessa a obra: seu cenário é simples e impactante, eficiente nas ambientações que são construídas por uma luz bem pensada e bem executada — derrubando o que às vezes se ouve de não termos por aqui recursos ou capacidades para reencenações de repertório.
Despindo Carmen das nuances de seu enredo, o que nos resta é seu elemento mais interessante: a Carmen personagem, sua força e potência, que são a aposta, certeira, dessa obra.
Henrique Rochelle é crítico de dança, editor dos sites Da Quarta Parede e Criticatividade, e Doutor em Artes da Cena pela Unicamp
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A XI Bienal Internacional de Dança do Ceará foi encerrada ontem, 29, em Fortaleza. O Vida&Arte está publicando textos do crítico de dança Henrique Rochelle sobre alguns dos espetáculos acompanhados por ele.