Lilian Martins*
ESPECIAL PARA O POVOO Ceará é solo fértil para a música brasileira. Seu chão, embora ressequido pela escassez das chuvas e pela ineficiência de políticas públicas, é também signo de resistência de uma cultura que teima em verdejar. Desta terra brotaram importantes nomes da música popular brasileira e, desta vez, faz despontar o jovem e irrequieto Thiago Almeida.
De sonoridade provocativa, fruto de incontáveis horas de estudo e dedicação, a música instrumental celebra o empenho e o ousado trabalho deste artista que tem na literatura uma de suas principais fontes de inspiração. É dele o concerto Piano solo, adubo e florestas, inspirado no escritor Manoel de Barros (1916-2014) e executado sempre de improviso ao sabor da hora, da energia do público e da sensibilidade deste exímio pianista.
As letras do poeta de O Guardador de Águas (1989), vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura, tocaram o músico cearense de forma que as suas composições improvisadas visam investir na plateia uma sonoridade de estranhamento e inventividade tais quais os versos de Manoel de Barros. Mas como traduzir um poema para a música instrumental? A proposta do multi-instrumentista é audaciosa e por isso mesmo arriscada. Entretanto, como já nos dizia Clarice Lispector: “A salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!” E, assim, Thiago Almeida faz um passeio sensorial e rítmico, em seu concerto, buscando explorar os diferentes sons do seu instrumento de criação: o piano. Daí a tampa do instrumento que bate com intencionalidade e violência pode ser representação do ruído da porta que não mais quer ser aberta no verso do poema Retrato do Artista
quando Coisa:
Não aguento ser apenas
um sujeito que abreportas, que puxa
válvulas, que olha orelógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vailá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.Neste instante, nasce a relação metonímica entre a palavra e o som, ambos como metáforas poéticas da estilística de Manoel de Barros salvando, assim, a todos nós da caretice destes dias censurados onde equipamentos batem com a porta fechada no rosto dos artistas.
Considerado um dos mais inovadores compositores da atual cena cearense, Thiago Almeida vem colhendo elogios da crítica especializada e acaba de ganhar o Prêmio MIMO Instrumental. Nascido em Fortaleza, o pianista e compositor fundou, em 2004, o grupo Cabeça de Téjio. A convite do baterista Luizinho Duarte, em 2008, passou a integrar o quarteto Marimbanda. Participou de festivais nacionais (Ceará e Rio de Janeiro) e internacionais (França e Bélgica).
Com o parceiro do Duo Elo, Cainã Cavalcante, gravou o álbum Feliz de ser (2014), sob a direção do consagrado André Mehmari, e lançou, em seguida, o disco Uneração vital. O álbum evidencia as diversas possibilidades de sua estética, chamando atenção para a poesia, a linguagem e a primazia do seu labor técnico ao piano. O músico é – sem dúvida – prova de o que cancioneiro cearense segue sua safra sazonada pelo sol da persistência e da criatividade.
Aumenta e som e boas leituras!
*Lílian Martins é jornalista, pesquisadora e militante em Literatura Cearense.
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