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Peça aborda os migrantes da seca de 1932
Vida & Arte

Peça aborda os migrantes da seca de 1932

Nova montagem do Curso Princípios Básicos de Teatro, Trinta e Duas leva para a cena os migrantes que percorreram o Estado fugindo da seca de 1932. Vida&Arte assistiu a ensaio
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O local escolhido para as fotos de divulgação do espetáculo Trinta e Duas já diz muito do que encontraremos na peça. As imagens, assinadas pelo fotógrafo Tim Oliveira, foram feitas na Vila Vicentina, que fica na Aldeota e foi parcialmente demolida em 2016 – mesmo o espaço se tratando de uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis). A Vila não é citada na dramaturgia do novo trabalho do Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), mas a luta por moradia envolvendo o tripé resistência, isolamento e poder (no caso, o imobiliário) também atravessa a montagem, que faz curta temporada de amanhã até o próximo domingo, 10, no Theatro José de Alencar. O Vida&Arte acompanhou ensaio.


Normalmente as obra cênicas do Curso não se apropriam de uma narrativa textual muito complexa — apesar de o CPBT já ter feito isso muito bem em trabalhos como Plastic Wood (2012) e Noite de Núpcias (2013). “É muito raro no CPBT você ousar e colocar muitas falas. Eu ousei, apostei e continuo apostando na ideia deles. Eu estou com eles até o fim nessa história”, se emociona a professora Neidinha Castelo Branco, diretora do trabalho que agora chega ao público pelas mãos da turma “2016/2017 Noite”.


Assim como as fotos, o nome da peça também dá pistas. A flexão do numeral 32 conduz nosso olhar para um protagonismo feminino – que é norteador dentro do trabalho. O enredo acompanha as trajetórias de duas mulheres: Eunice e Marly. A primeira é uma migrante da seca que assolou o Estado no ano de 1932. A segunda, uma menina crescida na Praia de Iracema que ama bailes de Carnaval e se apaixona por um soldado. Os trilhos das duas se cruzam em diferentes pontos da vida. “A gente traz a metáfora do trem como um caminho já predestinado. É o trilho do progresso e o que ele está levando junto”, explica a atriz Pâmela Canário.


“Elas têm trajetórias paralelas que cortam a Cidade. Marly e Eunice têm vidas diferentes que se montam na mesma cidade. Na juventude, elas já estão numa situação de oprimido e opressor. Mas, quando elas ficam donas da própria vida, o interesse de uma colide com o interesse da outra mais claramente”, detalha Rosana Reis, uma das responsáveis por escrever o texto da peça. Em processo dramatúrgico que teve tutorial de Rafael Martins, do Grupo Bagaceira, os alunos criaram enredo que apresenta diferentes ângulos de relações de poder.


Multidão perdida

Além da proposta temática muito bem amarrada, o trabalho ganha em qualidade ao explorar a massa de 29 alunos-atores como uma multidão perdida. Enquanto se desenrola a história, os atores não saem de cena, eles se postam atrás das arquibancadas — que são posicionadas criando um palco em corredor no palco principal do TJA. A cada instante, o todo representa sensações diferentes. Em momentos, é o vento. Em outro, o burburinho. A obra tem um trabalho bem recortado de percussão corporal guiado pelo professor Cláudio Ivo, que acompanha Neidinha na montagem.

 

Se torna evidente também a busca da turma por referenciais históricos. Eles se ancoraram em estudos como Isolamento e Poder, livro de Kênia Sousa Rios, professora do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC). Assim, a atualidade do tema se constrói pulsante. “A gente fala sobre processos que são cíclicos, é uma história da Fortaleza de 1932, mas é também de hoje. Essa situação de migração, de remoção, do poder empurrando as pessoas continua”, reflete Stella Monstra, que também compõe o elenco.


Durante o ensaio, foi possível perceber que há certa insegurança na fala de alguns atores (comum entre quem está iniciando) e ficou claro também que o grupo funciona bem diante da busca por corpos extracotidianos. “É uma temática que mexe com a vida de muita gente, toca em histórias reais e inventadas. É uma responsabilidade muito grande”, completa a atriz Isabeau Cristina. Apesar da complexidade, eles sabem muito bem o que querem escancarar: são histórias de um passado que se recusa a ser passado.

 

SERVIÇO

 

Trinta e duas

Quando: amanhã, às 19 horas; sábado e domingo, às 17 h e às 19 horas

Onde: Theatro José de Alencar (Rua Liberato Barroso, 525 - Centro)

Quanto: R$ 10 (inteira)

Telefone: 3101 2583

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