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Dramaturgo Ilclemar Nunes estreia espetáculo musical sobre Iracema
Vida & Arte

Dramaturgo Ilclemar Nunes estreia espetáculo musical sobre Iracema

No próximo mês, o dramaturgo e diretor teatral Ilclemar Nunes estreia espetáculo sobre a lenda escrita por José de Alencar. Vida&Arte acompanhou ensaio
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Ilclemar Nunes conversa diretamente com José de Alencar. “Perdoe, Zé”, diz o dramaturgo e diretor teatral quando vai fazer alguma alteração no clássico Iracema, obra lançada há 152 anos. A primeira mudança das páginas para o palco: o temperamento daquela mulher. “A Iracema estava muito passiva, sempre aceitando o Martim reclamando e enchendo o saco da bichinha. Aí eu pensei ‘Porra, Iracema, manda esse português ir à merda’”, gargalha o teatrólogo, que desde 1990 pesquisa a obra. Na primeira semana de outubro, Ilclemar estreia sua adaptação da história da índia, Iracema dos lábios de mel: o musical, e faz curtíssima temporada no Theatro José de Alencar (TJA).


De cara, a montagem revela um deslocamento, pois o espetáculo não se centra somente no casal protagonista. No palco do Teatro da Boca Rica, onde a peça está sendo ensaiada, um elenco de mais de 20 atores se movimenta em passos sincronizados, o que reforça a áurea coletiva da tribo dos Tabajaras. “Como eu posso fazer um musical contando a história da ‘índia dos lábios de mel’ sem ter outras índias? Cadê o povo da aldeia?”, se questiona o autor, nos bastidores, enquanto o elenco passa cenas de festa e de guerra, que dão ao trabalho ritmo, leveza e tensão. Foi aí que ele optou por dar corpo e voz aos guerreiros da tribo e às virgens, mulheres que revelam diferentes lados da mesma Iracema.


“Nós somos o grupo das virgens, é como se fôssemos o subconsciente dela e fizéssemos parte da Iracema, cada uma de uma forma”, conta a atriz e cantora Janaína de Paula, apontando que a “líder”, a índia propriamente dita, é interpretada pela atriz Larissa Góes. “A gente mostra essa Iracema sensível, romântica, mas, ao mesmo tempo, muito forte, potente, decidida”, reforça.


Apesar de “empoderar” mais a índia e de fermentar a tribo, Ilclemar reforça que “não brinca” com a obra de Alencar. O diretor ressalta que o clássico de 1865 já tem linguagem que se aproxima das artes cênicas. “Influencia o fato de o ‘Zé’ já ter escrito peças. A narrativa dele flui muito naturalmente em diálogo, numa ação dramática, com personagens se movimentando”, conta. Ao transportar para canções, o teatrólogo ganhou ainda mais possibilidades de usar as palavras de Alencar. “Eu parti para o musical para quebrar todo o realismo. Você não fica preso numa realidade”, diz, elogiando as canções da obra, que são assinadas pelo maestro e compositor sergipano Ubirajara Cabral.

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Preparador corporal do espetáculo, Paulo José aponta que a ideia é fugir, na sala de ensaio, dessa concepção de mímese do que seria o corpo indígena. “O corpo do elenco busca essa naturalidade de hoje, dos meninos que pegam ônibus, que vêm para o ensaio de bike. A gente não está indo para a caricatura e nem para o que vê nas tribos hoje, seria imitação”, avalia. Em meio à criação das coreografias, Paulo vive o desafio de transportar para o movimento de um elenco grande e plural a unidade de um só povo. Durante o ensaio acompanhado pelo O POVO, a maioria dos artistas se mostrou coesa — apesar de uma parte não ter afinidade com a dança. “Num musical, a prioridade na escolha (dos atores) é a afinação”, aponta o preparador.


Para Paulo, a obra continua chamando tanto a atenção do cearense pela identificação desse povo dito hospitaleiro com o ambiente apresentado por Alencar. “Até hoje o cearense reproduz essa síndrome de Iracema. A gente espera o novo, o que vem de fora”.


Já Ana Cristina Viana, assistente de direção, ressalta ainda o desafio de, até a estreia, daqui a duas semanas, o grupo conseguir ainda mais intimidade com as canções. “A gente está muito acostumado a ver aqui em Fortaleza teatro musicado, mas nosso objetivo é fazer um musical. A história é contada também pelas músicas e não só pelos textos”, diz.


Ilclemar e a índia

A relação do diretor com a lenda de Alencar não é de hoje. Em 1990, ele foi convidado pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult) a escrever a primeira versão do musical. Depois disso, ano passado, essa versão do espetáculo inspirou o roteiro do desfile da escola de samba carioca Beija-flor de Nilópolis, que levou para a Sapucaí a história de Iracema. Apesar de conhecer bem a trajetória da mulher cujos cabelos eram mais negros que a asa da graúna, ele ainda se encanta. “Sempre que eu leio Iracema, eu fico enternecido e não é brincadeira não. Até hoje assistindo cena, eu me emociono”, confidencia. A montagem fará temporada de 4 a 8 de outubro no TJA.

 

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