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Vida & Arte discute o machismo no meio artístico
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Vida & Arte discute o machismo no meio artístico

Vida & Arte discute o machismo no meio artístico a partir do caso de banda gaúcha
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Com a crescente divulgação de questões feministas nas redes sociais, estas se tornaram, hoje, um dos principais meios de expressão aliados à causa: diversas páginas e perfis reúnem conteúdos sobre feminismo e dão a plataforma para mulheres exporem vivências e demandas. Na semana passada, um relato de machismo em especial causou grande repercussão: a escritora e apresentadora gaúcha Clara Corleone narrou diversas situações de traições e agressões físicas e psicológicas sofridas por ela na relação com o ex-marido, Felipe Zancarano, guitarrista da banda Apanhador Só. Clara resolveu denunciar após o grupo lançar a música Linda, louca e livre, cuja letra fala de empoderamento feminino.


Outros casos do tipo envolvendo o grupo apareceram e a banda acabou anunciando suspensão das atividades, lamentando “profundamente tudo que aconteceu e está acontecendo”. O guitarrista se pronunciou pedindo desculpas e reconhecendo ter cometido “muitos erros” na relação. A partir do caso, o Vida & Arte convidou artistas para discutirem o machismo e sua presença no meio cultural.


“Muitas pessoas não dão credibilidade aos relatos, outras dizem que foi horrível o que aconteceu, mas não sabem como agir. Vi também resumirem o caso de Clara à traição, ignorando os abusos físicos e psicológicos. Não é raro as pessoas diminuírem o que as vítimas passaram”, lamenta Gabriella Pompeu, produtora musical e uma das idealizadoras do selo independente Banana Records. “Após o texto da Clara, surgiu a hashtag #meuartistasecreto e vieram vários relatos à tona, relacionados a pessoas do meio artístico”, aponta. Na lida como produtora, Gabriella tem diversos casos de machismo sofridos para contar. “Em um evento, o técnico de som do local ignorou tudo que eu e a Nanda (Loureiro, também da Banana Records) falávamos, apenas ouvindo os homens. Já deixamos de trabalhar com artistas machistas e em cantos administrados por machistas para tornar os locais mais seguros para as mulheres”, ilustra. “A melhor forma que encontramos até agora de lidar com isso foi denunciando”, completa.

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A atriz de teatro Karol Paim foi vítima de machismo na cena teatral de sua cidade natal, Rio Branco (AC), e hoje vive em Fortaleza. Apesar de afirmar que suas vivências aqui estão positivas, a atriz lembra: “Quando você é mulher, todo dia é uma batalha”. Para ela, os comportamentos machistas acabam “disfarçados” no meio da arte. “Eles ocorrem de forma disfarçada. (Nos) fazem a imposição de que temos que obedecer ao ‘diretor’, que não podemos opinar nem mesmo nos nossos corpos ‘porque isso não existe na arte’. Muitos homens no meio cultural levantam bandeiras, mas não é bem assim”, aponta. Gabriella faz coro: “Costumo achar mais perigoso um machista que se diz ‘desconstruído’ do que um que é ‘assumido’”.


A escritora Kah Dantas reconhece que teve a “sorte” de contar com o apoio dos colegas do meio literário, mas que vê “situações dessa natureza o tempo inteiro, nas redes sociais, em festivais”. Autora do livro Boca de Cachorro Louco, no qual relata de forma direta e sincera um relacionamento abusivo que viveu no passado, a escritora conta, no entanto, que a obra recebeu reações negativas de homens e mulheres. “Se você usa sua vida para fazer arte, está se expondo; se fala de sexo, é vulgar. No fim das contas, o exercício artístico das mulheres é constantemente questionado, julgado”, afirma.


As artistas acreditam na força da denúncia e da própria obra como forma de enfrentamento. “Foram incontáveis os depoimentos que recebi de pessoas que compreenderam que tinham vivido ou estavam em um relacionamento abusivo. A arte transborda para a vida e gera transformação social”, opina Kah. “A arte é o maior meio de protestar. Não se cale, doa a quem doer”, completa Karol. “Nós não temos o mesmo espaço que os homens, mas a arte é uma área que é nossa e temos que nos apropriar dela”, conclama Gabriella.

 

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