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Fazer jornal é, mais que tudo, tentar ver. Noticiamos, analisamos e projetamos para o mundo. O difícil mesmo é conseguir enxergar aquilo que só a gente conseguiria ver, o que quica no nosso quintal. E num jamais esquecido dia 4 de março de 2017, vimos o horror e tivemos coragem de expor em oito palavras. A manchete chorava: “Morte brutal de travesti causa comoção e revolta”.


Dandara era cearense, como O POVO sempre será. E, dentro do nosso sofrido Estado, ela viveu invisível como a quase totalidade da população trans e travesti do mundo. Infelizmente, só em morte Dandara surgiu: em uma situação que não deveria acontecer, em um vídeo que não deveria existir, com uma dor que não deveria sangrar.


O caso Dandara rodou o mundo no dia da comoção no Conjunto Ceará, no dia em que estampou nossa manchete. Virou notícia e causou revolta em países que ela nunca teve a chance de conhecer. É pouco. Não salvamos Dandara e outras tantas. Tentamos, ao mínimo, fazer jus à vida dela, expor o crime de ódio que nossa sociedade finge não existir.


A manchete do dia 4 de março podia ter sido a boa quadra chuvosa de 2017, as praias impróprias para banho em Fortaleza, as brigas ante o fim do TCM no Ceará. Notícias que são dadas às dezenas no ano, que lemos reiteradas vezes. Dandara foi vista por uma única manchete, por um único momento. Oito palavras nunca a trarão de volta. Mas ali, e para sempre, ela existiu.


André Bloc

Jornalista do O POVO e redator de Primeira Página desde janeiro de 2016
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