Na casinha rebaixada, em uma rua de calçamento, dona Luzanira recebe nossa equipe com um sorriso e um café. Nas paredes da pequena sala, reconhecimentos em quadros adornam o ambiente. Entre eles, o título de cidadão cratense para o poeta Luciano Carneiro. Do corredor, iluminado pela luz natural que bate no alto da encosta da serra, surge seu Luciano. Blusa social e chapéu na cabeça pensados com carinho para a ocasião.
O gosto pela arte vem desde a infância, quando seu pai o levava para cantorias na região onde moravam, na Paraíba, e comprava versos na feira para os filhos. Hoje, a paixão que tem pela poesia se compara apenas à que sente pela esposa, Luzanira Batista de Lima, que conheceu no Crato, onde chegou aos 16 anos, e com quem teve 13 filhos – dez estão vivos –, 24 netos e quatro bisnetos.
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A trajetória como cordelista – entre trabalhos como agricultor, carroceiro, vigia e outros – teve início em 1975, quando começou a divulgar suas obras no programa Coisas do Meu Sertão, do poeta e radialista Elói Teles. Ao lado de Teles, inclusive, foi um dos membros-fundadores, em 1991, da Academia dos Cordelistas do Crato, uma das mais respeitadas e reconhecidas expressões do verso popular caririense, da qual hoje é presidente. Em 2008, Luciano foi reconhecido como Mestre da Cultura Popular pela Secretaria de Cultura do Ceará. Em maio deste ano, aos 75 anos, deu mais um passo na carreira e lançou Onde mora a poesia.
O POVO - Como a poesia entrou em sua vida?
Luciano Carneiro - Minha influência maior foi meu pai. Depois dele, a poesia em si. Em todo canto em que trabalhei, eu fiz poesia. Virei gente por meio da poesia. Eu digo que a poesia é o tempero da vida. Onde tem poeta e poesia pode ter certeza que existe alegria, existe uma aceitação das pessoas.O POVO - Problemas sociais são um tema recorrente em suas obras. O senhor acha que a arte é um bom instrumento de denúncia e protesto?
Luciano - O poeta é cúmplice, tem que alertar o povo. Não pode fazer vista grossa com os acontecimentos. A gente tem que procurar abrir os olhos do povo, se não fica todo mundo alienado, os artistas e aqueles que vão consumir o trabalho do artista.
O POVO - Qual a representatividade da Academia de Cordelistas hoje?
Luciano - É uma referência da cultura popular no Cariri. Quando ela foi criada, em 1991, o cordel andava acéfalo, andava apagado. Foi uma criação que fez o Nordeste inteiro se ligar no cordel, muitas associações, como incentivo da Academia.
O POVO - O que significou para o senhor ser nomeado Mestre da Cultura?
Luciano - Foi um avanço a mais. Todo mestre merece o máximo de respeito da sociedade, porque ele angariou uma coisa que ele já era, teve só o reconhecimento. Foi muito bom. No encontro dos mestres, todo ano lá no Limoeiro do Norte, eu vejo a alegria da sociedade com os mestres, a festa que a gente faz para eles e a que eles fazem para a gente. É uma troca de experiências muito boa. É uma coisa muito bonita a cultura popular.
O POVO - O que o cordel representa hoje para o Cariri?
Luciano - O cordel tem uma representatividade boa no Cariri e deve isso à Academia de Cordelistas do Crato. Nós temos aí 26 anos de cordel, de produção. O cordel já está espalhado do outro lado do Brasil. Nós fizemos um trabalho para a BBC, de Londres. Esses cordéis vêm se multiplicando e contando a história e a importância que têm no Cariri, no Nordeste.
O POVO - Como surgiu a ideia do livro Onde Mora a poesia? É seu segundo livro, correto?
Luciano - O primeiro livro é o O que faz o egoísmo, que não é bem um livro, é um cordel ilustrado. Saiu em dois idiomas, português e espanhol, e foi aprovado para literatura infantil em escolas. Esse sonho de fazer um livro é acalentado desde rapazinho. Meu pai dizia que um homem tem que fazer três coisas: constituir uma família, plantar uma árvore e escrever um livro. A árvore eu plantei por onde passei. E família eu constituí logo uma grande. Cumpri a promessa que fiz a meu pai. E a aceitação do livro foi boa.O POVO - Como o senhor vê o futuro da poesia e do cordel no Cariri?
Luciano - Eu vejo que aonde for o futuro a poesia vai junto. O Cariri está muito bem servido, aqui é um celeiro de poetas. Crato, Juazeiro, Barbalha. Eu acho que o Cariri já parece com poesia. É uma região rica de cultura, de gente boa, acolhedora. Sou cidadão cratense. E está bom. Recomendo que quem não tenha onde morar venha morar no Crato, venha morar no Cariri.O POVO - Como é seu processo de escrever? Como se inspira?
Luciano - A poesia é uma coisa muito fina e requer um cuidado danado do poeta. Eu, quando vou escrever, gosto de me recolher em um lugar silencioso, só eu, Deus e a poesia. Requer que o poeta escolha a hora adequada, o lugar certo, porque uma poesia é uma construção.O POVO online
Veja a entrevista na íntegra na Revista O POVO Cariri 11