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Ana Carolina comenta as dificuldades de fazer cinema no Brasil
Vida & Arte

Ana Carolina comenta as dificuldades de fazer cinema no Brasil

Ana Carolina representa os problemas do cinema brasileiro em filme que, ele mesmo, sofreu com as dificuldades de se fazer audiovisual no País
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Com a carreira afetada por problemas da indústria audiovisual brasileira, a cineasta Ana Carolina fez um filme, A Primeira Missa, ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum (2014), justamente sobre estes problemas. Por metalinguagem, ironia do destino ou talvez só rotina para cineastas, o trabalho esbarrou justo nas dificuldades que ela trata – demorou a ser financiado e sofreu com a distribuição, não estreando até hoje em Fortaleza, por exemplo. Figura importante do cinema nacional, Ana trabalha com cinema há mais de quatro décadas, mas só tem oito produções no currículo. A Primeira Missa... foi exibido no penúltimo dia da 12ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, curiosamente destacado na programação da mostra histórica do evento. Irônica, bem-humorada e misturando descrença e esperança, a cineasta conversou com o Vida& Arte sobre o filme e a carreira.


Entropia

“Não é um filme histórico!”, avisa Ana. A exibição do mais recente longa da cineasta em Ouro Preto, na mesma mostra que acolheu filmes das décadas de 1950 a 1980, passa pela compreensão que a curadoria teve de ver tratadas em A Primeira Missa... questões históricas que refletem, em tom farsesco, a dificuldade de se fazer cinema no Brasil. “O filme fala de uma equipe de cinema que ia filmar um longa chamado A Primeira Missa, mas não consegue por conta da realidade do cinema e da política brasileira”, explica. Tais realidades são personificadas nas figuras de representantes do Estado e do poder financeiro que invadem o set. “São pessoas do Ministério da Cultura, da Fazenda, do Bem-Estar Social... dos ministérios que só servem para encher o saco e dizer que vão normatizar o cinema”, debocha.

 

“Só porque conheço os meandros e as dificuldades do cinema brasileiro é que me meti a fazer um filme sobre isso. O governo imprime uma entropia em todos os centros geradores de alguma linguagem. Em vez de puxar a força para um objetivo e lugar, a entropia faz o contrário, com uma velocidade incrível, e joga água para fora da bacia”, compara. “O cinema que eu conheci no início não vivia uma entropia. Mas depois veio o governo militar, veio não sei o quê, e chegou a isso daqui, que eu não sei muito bem o que é”, ironiza. Numa metáfora tragicômica, Ana ilustra: “O Brasil não teve tempo de fazer a segunda dentição. Saiu mordendo, sabe?”.


Tropeços

Entre o final de década de 1970 e da década de 1980, Ana Carolina lançou uma trilogia – composta por Mar de Rosas, Das Tripas Coração e Sonho de Valsa – que fez história no cinema nacional. Mesmo assim, voltou a filmar só em 2001 e, depois, 2003. A rapidez inesperada de dois anos deu lugar a uma nova demora até conseguir lançar A Primeira Missa... “O mercado ficou tão forte e potente. O cinema brasileiro tem um mercado artificial, híbrido, porque é gerado dentro da televisão. Eu não sou de mercado, sou uma cineasta contramão”, afirma. “Sofro com distribuição há muitos anos. Esse filme (A Primeira Missa) foi muito difícil para distribuir. Você vê, não fui pra Fortaleza! Por incrível que pareça, ele tem público. Mas o cinema passa pela entropia, que joga as coisas fora em função dos filmes mais do mesmo”, critica.

 

Em relação às dificuldades de conseguir financiamento para novas produções, Ana define a situação como “insuportável”. “É muito demorado. Falam para esperar, então você fica esperando. É um mar aberto, uma calmaria, você fica no seu bote de borracha indo em direção ao nada. Isso está ficando quase insuportável. Não adianta ter boas ideias e bons roteiros”, lamenta. Hoje em situação de “mar aberto”, a diretora segue se atrevendo. “Tenho outro roteiro pronto e estou tentando coprodução fora. Desde que lancei o último, são três anos”, calcula.“Estou há três anos fazendo tricô para ver se dá”.

 

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