Há um futuro distópico no qual todos nós ficaremos conectados a várias telas - comentando, curtindo, distribuindo sorrisos e carinhas raivosas. A tecnologia será tão presente e vigilante que não conseguiremos nos desvencilhar dela. É nesse mundo que já vive Mae Holland, personagem do livro O Círculo, de Dave Eggers, que foi transformado em filme e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 22. A narrativa conta a história da recém-graduada que consegue emprego na companhia mais disputada do mundo. É o roteiro de vida de tantos jovens. Mas, para subir posições, ela precisa ser uma presença constante no mundo virtual, além de realizar suas dezenas de funções no trabalho.
A rotina de Mae, vivida por Emma Watson, não é tão diferente da maioria dos trabalhadores médios. O elenco do filme conta também com Tom Hanks, John Boyega e Karen Gillan. A relação da protagonista com o lugar onde ela trabalha, também chamado Círculo, é de uma subserviência sufocante. Mae e a empresa representam caminho pelo qual as relações de trabalho já estão indo.
Dave Eggers constrói uma distopia que parece já ter chegado até nós. A necessidade de estar online permanentemente, a ansiedade ao ficar sem o telefone celular, a imposição de ter perfis em várias redes sociais. O autor trata do futuro, mas nós vivemos essas relações agora. Para além disso, a produção incorpora outros personagens bem construídos: o ex-namorado que foge da tecnologia, a amiga rica e bem-sucedida, o pai afetado por esclerose múltipla, os pesquisadores da empresa...
Eggers consegue recriar a estafa de Mae diante de tantas telas. Ao longo da narrativa, a personagem incorpora mais função e novos monitores aparecem na mesa de trabalho. As descrições do autor sobre cada momento no qual Mae “sobe de posição” na empresa são entusiasmadas e, ao mesmo tempo, contém ressalvas sinalizadas discretamente no texto. O escritor nos coloca diante do dilema: nós somos Mae? O drama da protagonista ganha novos contornos quando os dirigentes do Círculo - os “sábios” - se atentam para o comportamento da jovem. A empresa trabalha em múltiplos projetos que, separados, parecem até úteis para os clientes. Mas, ao unir as plataformas, a Companhia terá controle exclusivo sobre os usuários - incluindo o direito de votar e informações de saúde.
O autor dialoga sobre as fronteiras entre o público e o privado. Na segunda parte da narrativa, Mae é confrontada com os danos do uso indiscriminado da tecnologia. A partir do uso de câmeras, ela tem o cotidiano exposto para qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. A jovem vê sua a rotina ser vasculhada, os desejos ponderados e desconhecidos falam sobre sua alimentação, suas escolhas, seus amores. Mae vive sob constante vigilância. E não compartilhar informações - como a prática de um esporte ou uma visita aos pais - torna-se tão grave quanto cometer um crime. Três máximas regem a filosofia dos “sábios” e asseguram a livre circulação de dados: segredos são mentiras; compartilhar é cuidar; privacidade é roubo. Parece assustador, mas não é diferente daquilo que já vivemos.
O preço pago pela protagonista é alto e o fim do livro é surpreendente. Resta descobrir como o diretor e roteirista James Ponsoldt lidou com os últimos lances da trama.
SERVIÇO
O Círculo
528 páginasAutor: Dave Eggers
Tradução: Rubens FigueiredoCompanhia das Letras
Preço médio: R$ 62,90
SAIBA MAIS
Outros livros do autor:
O que é o quê (2008)Os monstros (2009)
Zeitoun (2011)Um holograma para o rei (2015)